Se a arte é além do artista, o liberta de sua existência, o liberta de suas idiossincrasias, ela mesma em si traz o sentido de transformação que faz do artista vítima de sua própria criação. A coerência entre arte e ente, entre criador e obra, é um desejo que pode não corresponder à existência real do artista e pode também não influenciar no poder transformador da arte. Esta coerência seria um modo do artista sobreviver ao impulso e influência revolucionários da arte em si, porém não é uma condição sinequanon para a criação, nem tampouco para a existência do artista.
A criação é em si abstrata. Ela traduz o real de forma ideal, mesmo autodenominando-se realista ou concreta, como objetivo de criativamente levar um novo ponto de vista a respeito do concreto a quem a lê, vê ou ouve. Ao mesmo tempo, a arte é em si transformadora porque busca recriar o real de forma ideal, como exposto acima, e mais além redescobrir no real, pontos invisíveis.
A própria idéia da arte é transformar o real fora do real. Este impulso transformador faz da arte um meio de influência revolucionária constante. O que não torna em si o Artista como um revolucionário. O que leva à arte ser de certa forma o fim do artista no sentido de causar um impulso de transformação que pode engolir o criador que não for coerente com sua obra. Assim a exigência de coerência entre criação e criador não é em si uma exigência que influencia a qualidade da arte em si, mas sim uma exigência da sobrevivência do artista à sua arte ou um meio de utilização da arte como instrumento de transformação, seja ela pessoal ou social. Esta é uma das formas em que a arte indo além do artista pode ser trabalhada ou entendida. Porém não é a única.
A arte é além do artista também, pois ela é em si um produto social por excelência, ela não existe fora do compartilhamento com a sociedade. Sem ser compartilhada a arte é nula, é ausente, é inexistente. A arte precisa da sociedade, como esta precisa da arte para vislumbrar um real além do real. Cada pintura, música ou poema retrata a realidade de forma que a sociedade pode se enxergar com outras cores e formas. Por isso muitas vezes a arte vai além do escapismo clássico e torna-se um importante meio de mobilização, denúncia, conscientização e sensibilização da população para temas importantes, causas, mobilizações, entre outros elementos, digamos, políticos da vida social.
O entendimento da Arte como algo inerentemente coletivo, mesmo sendo criação individual, pode permitir um sem número de utilizações da mesma, de compreensões da mesma, mas antes de mais nada permite que entendamos a obra como um meio de avançar em relação à criação como uma propriedade. Se a arte é além do artista como ela pode ser propriedade dele? Se ela não é propriedade de quem cria como pode ser de alguém? Assim além de ser um meio de transformação social e pessoal, a arte também é um questionamento clássico da propriedade em si. Porque a propriedade é restritiva, ela reduz o objeto à funcionalidade atribuída por seu dono. E como algo que em si mesma traz o germe da transformação, é além do que a criou, avança além da sociedade em que nasce pode ser no fim das contas restrito a um limite imposto?
É por isso que a arte é também um questionamento a qualquer restrição, inclusive a de propriedade. Sendo assim uma revolução em si, um processo de transformação completa da realidade em algo inusitado, a arte supera a origem e avança, indo além inclusive de conceitos que a aprisionam.
Por isso é arte.
Gilson Moura Henrique Junior - Novembro de 2006FONTE: REVOLUTAS
SITE: http://www.revolutas.org
PUBLICAÇÃO: 26/11/2006
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