segunda-feira, abril 30, 2012

Arte-Perdição

Não quero uma poesia que me acalme, não quero
Não quero uma poesia
Quero invariavelmente ser incendiado dos ódios e amores que compõe minhas veias
Quero a agonia de pular do ônibus em movimento, de ter medo de altura no alto do pico do papagaio
Quero o inferno da dúvida, quero a coragem da certeza.

Não quero saber da arte oposta ao mijo na rua
Não quero a arte de gola rolê e nem o assobio envergonhado da arte que não desnuda
Não quero o cinema moço janota das esquinas do Leblon
Eu quero um filme subúrbio, uma poesia puteiro de Madureira
Um samba canção feito nas coixas da mulata.

Não quero as palmas engravatadas, caladas
Quero a baioneta calada da ironia, o sangue nos olhos do poeta
O ator enlouquecido que se acha Napoleão
Não quero nada disso
Eu quero é que se foda
Eu quero a arte mordida na orelha
Uma arte trepada nas escadas, comida, encoxada
Amada pelo instinto nu e criminoso da liberdade.

Eu quero uma arte infinita, como a perdição.

Ama-se a Mulher

Amar e mulher são sinônimos, não para todos, óbvio, mas amar e mulher misturam-se. Amar e mulher não limitam-se, amplificam.

Ama-se uma só mulher ou focar-se isoladamente em dado momento num só ser mulher? Não sei, mas inclino-me a vincular o amor à Mulher, todas, como o que existe. Aquela una, aquela uma, aquele pedaço de mulher, e pedaço de mal caminho, é apenas a referência imediata do amor ao mar Mulher, ao mundo Mulher que se estende infinitamente em nossos olhos, corpos e mentes.

Ama-se a Mulher! Amar é Mulher! Amar só existe pela existência da Mulher!

Daquela que mói almas, ou da que morde, ou da que devora corações no café da manhã, da que sensibiliza estátuas, da que vira verso, da bailarina de conto, da mulher dos gatos, da menina que desmancha-te em sorrisos, das borboletas, das ogras, das brincantes.

Amar é um verbo transitivo direto: Ama-se a Mulher.

Ama-se e é Mulher, pois sem isso o verso quebra as patas, o cheiro de inverno que invade as manhãs e sorri corações e deslinda-se, torna-se menor.

Ama-se a mulher que vai, a que te desama, a que amarás, a que amou-te, a que te ama, a que te espera para amar-te, a que te despreza. Ama-se e vive-se.

Pois a vida, ela mesmo, é fêmea, e das boas.







Nisso que chamam amor

O outro é forma de evangelho
E ao mar, à morte, ao externo
Além de mim e do outro
Há a pálida margem da irracionalidade
Do peito arfante
O medo das coisas.

Não há senso, não há tempo
Há medo
E desejo
E a cor dos dedos que tornam-se letras, palavras
Mortos, os seres e as almas dos versos transmutam-se no delírio.

Não há tempo, nem urgência
Há o oco
Há o não saber
Há o querer
O devorar do corpo
No fogo
No fogo do mergulhar
Nisso que chamam amor.






Querer-te

Dói
Dói como rir, como perder-me
Dói como ir
Como ver-me longe, ver-te longe
Ver-me nu em mim, na música.

Dói como matar-me, matar-te na contradição de prender-te e querer-te vôo
Dói por combate
Em mim, em fins, em sins murmurados
Em caladas manhãs
Em surrados bons dias.

Queria ser só, único
Queria ser mil, muitos
Queria e só, muito.

Saber amor é também saber sair
Saber fugir ou correr nas ruas e lumes
Saber egoísmos e saber mundos de ver-se
Hoje, atroz, a sombra do horror de mim murmura
Em mim murmura o negativo de ser.

Diferentes, díspares
E assim, querendo e não vendo e não sendo
Caminho e temo
E urro
E sinto
E vivo
E respiro
Talvez sorria
Pois é inescapável querer-te.


domingo, abril 29, 2012

Humanidade e paixão

O som das luzes que são daqui
A cor do mundo ao longe
O longe
A forma de ser muito, a fome de ser bem
A forma de ser bom de ouvir.

O som dos olhos feitos canção
A forma dessa bela visão
A cor dessa esperança
A cor de ver alguém
Que é canção por ser a si
Mais ninguém.

O som que vem desse jeito coração
Traduz a forma de beleza que é natureza
E é humanidade e paixão.

Lu, ar, cor e noite

A poesia é uma esperança
Uma criança, a dança dos bons dias
Versos partem das luas, glórias
O amor me chora de sorrir pra noite.

Entre as cores, as ruas, as tranças
A esperança dança o tom da noite.

A poesia é uma lança
E as ruas dançam versos feitos de noites
Cores ardem, peitos afloram
E a gente gosta do sabor que arde
Nessas flores, nessas andanças
E vejo-te dança, Lu, ar, cor e noite.

quarta-feira, abril 25, 2012

Como voar

Surge a linha, o sol, as cores claras
A fome de um verso que seja semana
Ruas listradas
Roupa marrom
Desejo pleno de voar
Cor de bom motivo pra desejar.

Gotas de novas pedras
Água de rochas
Praias se tornam vento
Como segredos.

E toda urgência feita em som
Ganha o carmim do farfalhar
Da doce presença de teu olhar
Que emana, que anda e inventar o mar
Pelo ar, pelo olhar, pelo sonhar
Como se asas fosse, como voar.

A palavra dita no olhar

Sou expansão do fogo
Ardem milênios em mim
Calo qual tom de prece
Falo como quem diz sim.

Sou a alma das lanças
Ardo de espadas e cor
De vermelho que aquece
Sou cavalariço do amor.

Risos e brigas, fadigas
Foices cortando o ar
Ares me dá o auxílio
Desse vento de voar.

Da flor me faço o mar, o ar de desfolhar
Da cor, me faço a faca ao vento deformar
Do ardor a vela que reinventa o mar
E o amor é só a palavra dita no olhar.

Como os versos

Sopre
Sopre
Reinvente e vá
E de novo gire, gira em torno
Suba e monte, monte mundos e corpos
Monte histórias
Registre
Coma.

Sopre
Flutue
E construa os castelos dos outros com tijolos de vento
E com alicerces de eternidade.

Passos e passos pelos chãos eternos de corações abertos
Por escadarias e muros, mundos e tormentas
E raios, relâmpagos
Cinemas e lares
Sopre-os
Tome-os
São seus
Como os versos.

Que em cancão estouro

Luso,digo que sou
Sou como negro na alma e espírito e coroa
Mouro pelo nome
Luso pela veste, pelo corte, pela corte.

Luso sim, sem senhor
Luso, pois não!
Com cravos à lapela
E espreitando qual Francisco a aguda empunhadura à proa
Nego-me à sentença bruta
E adoto flores qual armas
Qual formas.

Luso, porque não?
Luso pois de lá nasci
Luso pois daqui cresci negro e mouro
E Luso
Pelo coração
Que em cancão estouro.

terça-feira, abril 24, 2012

Muitas palavras

Coisas, palavras, delírios, formas de voar
Como é incrível perder-se na lógica
Toda palavra amarra em si o som, o soar
De mil motivos, pareceres, óticas.

Ares de prece, sentidos de sins soltar
No mar, no lastro do mil novos eus
E eu?
Vou afagar esse cheiro de deflorar
Sorvendo o ouro de aprender um novo Deus.

Misturo forças, milagres, me faço calar
Ouço no peito um cintilar, uma sílaba
Canto-a somente por aprender a cantar
E o que ecoa teu nome atiça
Não desespero no alcance que entendo da voz
Pois num segundo o que sinto vale-se de um tom azul
Que canto-te na semente do que busco
Sou apenas o soar
Sou muitas palavras
Não as sei de outro modo.

Apenas ser amor

É como se me perdesse nas palavras
É como se fosse inferno meu olhar
Não saber como o ar produz seus ninhos
Como o vento e os destinos
Me consomem sem notar.

É como se me negasse a ver estrelas
É como se me cansasse de lutar
E ao fim não notei as ruas, os linhos
O que foi devagarinho
Divagando e deslindar.

E sem saber se o mundo é como prece
Se o rumo desvanece
Se há lumes de amor
Me tomo teu e procuro dar-te chamas
E cantando-te a flama busco apenas ser amor

segunda-feira, abril 23, 2012

Jorge é meu par

Mundo que parte a cidade
Arde o sul
Vermelho vivo na alma, na fé
Mulheres, almas, homens, meninos, divas
Espelhos de ruas, cores
De gente pronta, salgada
Viventes na maravilha.

Mundo de espadas, de ódios, de amor
Morros, asfaltos
Berro roncador
Corrente dourada que espelha o sol
E a alma agora sagra a liberdade, a cor
E abraça a alma de Ogum.


Jorge é meu par
Nesse caminhar, a alma pro ar
Jorge é meu par
Jorge é meu par.

domingo, abril 22, 2012

Ver-te em ti a voar

Antes de ir quero voltar
Ir por ai
Ai me dar
Ir em ti, ao mar.

Vendo o anil, o sol, o ser
Aspirar o surgir, o viver
Reter em mim  o explorar
Me ver, ressaber
Redescobrir ser.

Antes de ir
Quero chegar
Ver-te assim em qualquer lugar
Ver-te em ti a voar.


sexta-feira, abril 20, 2012

O saber do sol ateu

O urro das palavras
O murro nas portas
Astronaves, cores, celeumas
Ruas, jardins
Cortinas levantadas, rimas
Mulheres nuas, rosas
O mundo é simplesmente um fim em si.

A rua treme de poesia
E dói na pele o breu
Nuvens e estiletes contribuem pro fim
Desses versos claudicantes
Que se lançam ao mar
Enquanto teço novas asas
E respiro o novo, um Deus.

Vendo a lua
Espero a saudade
E corto a perna confusa
Dedico minha vida à missões audazes
A delírios vivos
E ao saber do sol ateu.

domingo, abril 15, 2012

Uma Bola

Uma bola é uma bola é uma bola
E um gol é um gol ou não
Uma sugestão de gol
Um sussurro de possibilidade ou risos ou coisas ou formas ou olas
Uma bola é uma ola
Uma bola, ora bolas, é uma norma.

.. E um beijo na boca

Suspiro, suspiro
Sol de chuva e sol
E vida e rua e laço
Eu? silencio
E entendimento do não
Cansado cão das ruelas.

Não, não sei não
Não sujo a  roupa com o pão das vergonhas
Nem me choro hoje
Só canso
Queria afago, queria corpo
Queria vento com chuva e riso ao longe
E nada, nem vejo, nem olho
Hoje sou apenas assim: Eu
E nem gosto ou desgosto
Só sou.

O que preferia? sorrisos e bares e um beijo na boca.

Quermesse

Acorda de dia ou tarde
O que escurece se mede e se remete ao que desce
E a dança de tudo é o que anoitece
E acorda
Na palma da mão que se tece.

Durma
Sinta-se peão, rode e mexa a palma da  mão
Bata prece
Escaceia o pão e o não
Dos que não vêem ninguém
É certo que te disse rosas róseas
E o que escuto é um simples e são jeito de viver
Digo não
Mas ouvi quermesse.

De Frio

Rude
Poema rude
Gritos esgarçados
Doçura deselegante
Deselegância sutil, livre, limpa
Deliciosa deselegância rude.

Elegante a frieza passeia nas calçadas
O rio, o furor que a tudo devora
Morre
De frio.

Fome

Fome de ver
Ser humano
Fome de espetáculo
Fome de explosão de danos
De calmaria
Palco
Doce de cruz
Sangues, planos
Espalhadas, aço
Reis, Vacilos, Aspas, quadros
Pardais sobre a língua.

Fome de sorver o sal das pernas
Das galinhas
Das santas que a pátria pariu
Das putas metonímias
Nas tardes, nas distantes cores do espaço
Cordel de extremos
Fome de orgias
De estrada, de bambuzal
De palhaços, carnaval.

Entre os nossos, entre externos
Comamos tudo, comamos
Entre as pernas, entre versos
Sejamos o dolo cru desta fome por anos
Pelos Estácios
Fome de nus
Fome de sonho
Fome de estarmos cruz.


Um cintilar de meninas

Sentido ser
E respirar
Sentido vida
Coisa de ter de ir, voltar
Rumar cidades
É boa a cor
É bom o amor
É boa a vida
É bom o chão
Boa razão
Luas me invadem.

Rio em pleno cio
Espero o sol das meninas
Esqueço o mar e as sinas.


A lua há
A lua é o sol de outras maneiras
A Rua há 
Vestida ou nua
Externa fera
Gotas de esmaltear, de cores, de firmezas
De sibilar
De resumir
Gemidos, pernas.

Rio nos tempos, rio
Desejo um mar destas sinas
Um cintilar de meninas.



sábado, abril 14, 2012

Pequeno mapa do poeta

Não sei amar de menos, nem metade, nem desamar.

Também não sei sair do quadrado do acordo, do dizer, do formar, do definir e isso é meu, construí-me assim, dói às vezes porque acabo sem saber dançar, mas desdói quando mostro que sei correr, pular, voar, construir muros, pontes e poemas e teses.

Gosto muito de um verso que fiz recentemente, é um dos poucos pelos quais tenho xodó: Meu peito é Ícaro, é poesia. Meu olho é Galileu.

Esse verso diz muito de mim é quase um verso interno de Fado Tropical amaciado. É um "Meu coração tem um sereno jeito e as minhas mãos o golpe duro e presto, De tal maneira que, depois de feito, Desencontrado, eu mesmo me contesto.". 

Construo amores, amizades, carreiras, sonhos  e nem sempre consigo-os concretizar tanto pela ansiedade, mas muito porque Ícaro derrete-se ao sol da realidade, mas Galileu percebe e salva a alma ao pensar no que fazer e decidir que "No entanto ela se move".

Galileu mostra a Ícaro que o voo queima, mas que pode um dia não queimar.

Não sei amar sem estar vivo, pleno, sapiente, com o drama do inconsciente, do ciume. Não sei amar sem me amar e sem entender que quando a dor é maior que o prazer é melhor ir embora.

Prefiro ir embora a transformar um amor em uma punição dupla, em  um monte de tijolos de uma casa que construí sem perguntar pro morador se ele quer.

Sou rápido demais, tenso demais, duro demais, frágil demais, flácido, moleque, tonto, cego sensível, insensível, humano enfim.

Não me aturo às vezes, imagino os demais que não tem o bônus de ver um sol de manhã e sabê-lo verso.

Me dói demais ir embora, sempre.  Talvez por isso seja sozinho na maior parte das vezes, porque não sei ir embora deixando-me ali indo pra outro lado.

Sinto a cor e a dor dos irmãos e amores que tive, tenho e terei.

Por mim? Ou amaria a mesma mulher que primeiro amei ou amaria todas ao mesmo tempo.

Espero um tigre para amar, mas o trato como se fosse um cão de estimação.

E nisso aprendo-me mais e a cada dia me torno mais aquele que espera o grande amor que me reconheça  ao tomar café comigo e ver uma manhã com meus olhos.

Uma vitória? Desfazer equívocos, trazer de volta quem se foi. Uma grande Vitória? Acordar poema.

Nesses dias eu doí, chorei, acordei, ri, reaprendi mais um pouco de mim, vi um mundo abrir, ganhei um livro, dei aula, poemei, pensei futebol, chorei amor, aprendi amigo, transei transa, comi biscoito e ouvi Caetano.

Nesses dias Ri Malês, Falei Escravos, Aprendi Classe Operária, Queijos e Vermes.

Não sei quem sou hoje, não sou quem fui.

Gosto disso, de ir brincando, de ir assim, como quem cresce.

Gosto de ser Malê, Lisboa, Porto, Rio, Madureira, de chorar por saudade, de chorar de ternura, de amar com fome, de querer de novo de ir atrás de tentar que todos riam, que todos fiquem felizes.

Gosto de quem gosto e digo que gosto. Gosto de morder quem não gosto e de tratar com pelúcia a quem gosto.

Eu gosto de estar ali.

Obrigado, muito.


Entre as aspas dos dedos da mão

Arte: Ardor dos Deuses
Causas, planos, plâncton
Palavras em série
Ar e mar cinzentos
Filmes de manteiga
Filmes de muralha
Arte: Paz dos tempos
Fome dos infernos
Arte é a dor da invenção
É paixão de ser invenção.



Paginas são tinta
Tintas são palavras
Palavras são versos
Versos são inventos
Cores são penugem
Cores são muralhas
Cores são infernos
Cores são tormentos
Arte:  Ardor da invenção
Cadafalso da própria paixão.




Cobre furta ouro
Ouro monta em prata
Prata é cor de negros
Índio é cor dos tempos
Ventos são delírio
Sangue, esmeralda
Américas e ventos
Navegar nos tempos
Cores que deliram canção
Entre as aspas dos dedos da mão.


sexta-feira, abril 13, 2012

Tranças de tempo

Sou de dias e de esperanças
Fecho as tranças da canção dos dias pelas artes
Pelas modas
Que me desmontam sendo inteira parte
Destas formas de lua
Destas tantas mil novas tranças que nascem das noites.

quinta-feira, abril 12, 2012

Nada mais hoje me atina

Os  meus sonhos são refeitos
Conduzidos de coisas, teias
Estrelado em espelhos que vêem
Conduzidos por artistas
Pintados entre  mãos pretas
E ruas que são a vista das insanidades cheias.

E à terra, às feras
A alma infante ganha a grande ordem, o levante
Do altar de mais um dia.

E meu sonho, meus espaços
Dão-se ao céu
Dão-se á terra
Fazem a si mesmos terra
Espalham-se grãos sobre as linhas
Destas ruas, destas feiras
E na brasa das agruras aprendem a ser só mais nuvem.

E à terra as levas de imigrantes
Trazem tanto, trazem antes
Novo ar
Luas, bastilhas.

Ritmo, fome, sistemas
Tretas, estrelas, espadas
Luz azul ao sul dos cinemas
Que escapam  ao ouvir
O rugir de historietas  como se feitas por mil poetas
Desenhados por pena fria.

E às feras as festas parecem antes de conduzirem o adiante
Uma paz, uma premissa.

E  de mim o sonho-fogo consome o dia, a magia
Feito em mim eternamente uma labareda, uma sina
Sina de ser gente em frente à escolha sombria
De fingir-em falsa estrela.

E em terras velhas
Meu passo adiante hoje pode ser gigante
Faço-me paz
Com a dor sofrida.

Súbito, de tempo me faço
Súbita história das falas
Tornando-se degrau, ancinho
Foice, enxada, rapinagem
Luzes, energia, mulatas
Carros, pás, filmes
E velas sobre lagoas encantadas.

E á terra as velas dão-se radiantes
Dão as cruzes, os infantes
Guerras, paz
Flor de bom dia.

Rara a alma dá-se estrada
E parte em si por calor
Por amor à donzela que morreu em pleno ardor
E se hoje a Baia de uma Guanabara me vem
É porque nela sou perfeito.

Minha terra erra
E calo o infante de minha forma delirante
Nada mais hoje me atina.


Música

Eu sou canção
Me ouvi, ouço o fundo da musica
O espelho da musica é a música
Ouço a alma da  musica
Batuco
Canto e canto
Recanto
Explodo a musica
Sou garra, ouço a  garra da garra da música.

Espero a musica me perder, quando não me ouço na musica é porque sou outro
Uns cinema
Outros canção
Filmo trilhas sonoras nos ouvidos
Me entendo assim
Me encanto em canto.



Malasarteando Jobim

Sou do porto
Ouço negros africanos cantando cuba
Nordestinos Bob Dylaneando pelas  Paraibas e Cearás
Traduzo idish em Baiões inventados na Água Santa
Reduzo o planisfério à Madureira.

Sou da Cepa dos ouvidos mercadores
Dos mascates lusos
Dos batuqueiros árabes
Das montanhas do Líbano
Sou da trilha da Madeira
Sou negro
Nasci nas Gerais, morri nas Gerais
Meu Grande Sertão vê rendas
Meu Sertão é a Brasil
Meu mundo é a Avenida.

Minha dor  é o 384
É a curva fechada
O café frio
O medo da morte
O medo da vida
A raiva do corte.

Nasci mermão, meu cumpádi!
Nas quebradas do medo sou da lenha que se queima andando
Enquanto filma o firmamento
E malasarteia Jobim.

A alegria de estar vivo

Já não sei ser muitos
Privo a mim mesmo de mil signos
Não sei ser do vento o tempo
Sou apenas meu desígnio
Surjo, invento, apenas tempo.

É de mim que já preciso
Eu apenas, assim deliro
Morro e sangro vendo vícios
E observando destinos
Tamborilo meus inventos
E construo beletrismos.


Hoje rezo por meu inicio
Pelo sorriso, pelo abraço que atento me torna mais intimo
Já que tudo é tão vivo
E tudo é tão isso
Que o vento e meu intento costuram o chão onde piso.

Morro um pouco e caminho
Vivo enquanto dor que trago e rio
Pois o intento do meu tempo é conduzir-me principio
E qual príncipe do meu reino
Deste mundo que invento
Nestas letras onde trilho o caminho de meu tempo
 Me calo, ínfimo, salvo na alma do meu irmão vento
E agradeço em sorriso
A alegria de estar vivo.

Além do eu

Mais um segundo e sou pessoa nova
Rasgo meu passado e ignoro o fim
No outro dia pago as vidas
Trago quem foi embora
Me dano  em bilhetes
Talvez seja feliz.

Meu peito é Ícaro, é poesia
Meu olho é Galileu
Minha alma é um circo
O mundo é meu jardim.

Vou pra rua e cheiro a eternidade virada em povo de rua
Assistindo a vida
Homens e divindades
Indo além do eu.

Instruções das manhãs

Quebrem os espelhos
Não se reconheçam mais
Olhem no mundo o riso da sua própria fé
Façam-se a sé de todo segundo vivo que prosperar
Que ao sol properar
Na lida do sol
Na vida do sol
Na vida ao sol
Na lida ao sol
E assaz assim dêem-se à lei do vento
Tornem-se o mar.

Vivam o olhar faminto e furioso
De todo sim
De todo povo
Como se urro
como se medo
Como se o mar fosse um lugar ao sol, colorido.

Vamos voar ao mar
Sejamos livres
Sejamos manhãs
Como as asas, como livros
Como o sal
como o mal
Como o som, como o sol
O luar.

Os sóis, as cenas, as leis
As penas, as velas, os reis
São instruções das manhãs.

A ilusão suspensa das palavras

O ar corta o delírio
O vento disfarça o querer chorar
A lágrima dói com gotas de passado
Resseca o mar de meu lábio, meu pão
E arde a semente de medo no peito
Arde o notar-se só, imperfeito
Restrito nas penas, nas palmas, nas gentes que tornam-se ar
Abre-se o porão das palavras
As marcas do que vi
Saem de mim as loucuras, os risos moleques
Desespero tontos, tolices urgentes
Calos e pequenas grandes perdições
E a raça, a alegria se calam
E no grito noto-me sem esperanças
E o futuro parece apenas a falha
Delírios
Sentidos
Pequenas ilusões.

O dom de perde-me na voz
A ilusão suspensa das palavras são as palavras
E eis aqui minha loucura desabando.