quinta-feira, julho 31, 2008

Quilombolas, questão fundiária e racismo midiático



Recentemente diversas matérias na mídia empresarial (Mais precisamente em O Globo e Rede Globo) denominaram as lutas dos remanescentes de quilombos ao acesso à terra como ações de desordem, desestabilizadoras do dito Estado de Direito. E esta ênfase tanto se dá na luta dos remanescentes de quilombos rurais quanto na de quilombos urbanos.

A Rede Globo, em pelo menos dois exemplos, pode ser a referência principal desta retomada dos ataques aos Quilombos pela imprensa. Em uma matéria veiculada em maio de 2007, a emissora ataca de forma veemente ao reconhecimento da comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu, localizada no município de Cachoeira, Bahia, noticiando em manchete "Suspeitas de fraude em área que vai ser reconhecida como quilombola". Em diversos momentos a matéria, em um enorme esforço para criminalizar o movimento, "entrevista" "quilombolas" acusando-os de retirada ilegal de madeira, etc. É um grande esforço. Mas, não se vê esforço semelhante na denúncia à grilagem na mesma área, por exemplo.

Já em seu Programa RJTV (conforme pode ser verificado no Dossiê da Imprensa Anti-quilombola do Observatório Quilombola, www.koinonia.org.br), o ataque é contra o Quilombo do Sacopã, localizado em área Nobre da zona Sul do Rio de Janeiro. Neste caso as acusações vão desde fraude, até dano ambiental e especulação Imobiliária.

O interessante destes ataques é não só a repetição de uma atitude constante na imprensa brasileira desde antes da abolição, mas também a recusa ao reconhecimento das áreas como comprovadamente povoada de remanescentes, ignorando a constatação técnica de antropólogos de universidades públicas (como a UFF) e a competência técnica da Fundação Palmares.

Ou seja, é urgente para a mídia empresarial barrar qualquer tentativa de democratização do acesso à terra e à moradia. Qualquer possibilidade de democratização é vista como um ataque aos pilares da sociedade, em especial à propriedade privada, sagrada sob a ótica da ofensiva midiática.

Durante todo o século XIX eram constantes os ataques aos Quilombolas e seus apoiadores, e mais ainda, aos escravos livres, pós-1888, com relação ao acesso à propriedade e quaisquer defesa do acesso dos negros à terra era vista como uma busca de tornar o país vítima da barbárie. Eram constantes os pedidos de prisão aos apoiadores dos negros fugidos via jornais. Mesmo os quilombos mais pacíficos, de cunho abolicionista, porém sem o caráter de resistência ao sistema e posicionamento beligerante, como o Quilombo do Leblon, conhecido também como Quilombo do Seixas, era alvo de ataques constantes pela mídia. E este quilombo era praticamente um dos quilombos oficiais do Império, apoiado pela própria princesa Isabel e sendo parte de uma rede de quilombos ditos urbanos e baseados em propriedades privadas de apoiadores do Abolicionismo.

Hoje a mídia repete este comportamento, buscando não só criminalizar os movimentos que buscam a reparação da barbárie que foi a escravidão, como todo movimento que conteste a atual estrutura de acesso à terra e a propriedade. Mas em especial os movimentos de remanescentes de quilombos sofrem ataques de enorme perversidade. Dado que se contesta a existência de quilombos que atestem o direito à terra pelos remanescentes, porém não contestam o direito à mesma terra pelos atuais senhores. Não se contesta a exclusão de negros e indígenas pela lei de Terras de 1850 do acesso à terra, sendo esta distribuída aos amigos do imperador e aos brancos que conseguissem ocupá-la com benfeitorias. Não se contesta a riqueza gerada pelo trabalho escravo que praticamente financiou o nascimento do capitalismo, a revolução industrial. A escravidão gerou toda a riqueza que permitiu o nascimento do capitalismo, mas mesmo uma reforma que permita o acesso de alguns dos descendentes destes escravos é condenada de forma veemente pela voz principal da classe dominante, a mídia.

Assim, a mídia toma a frente para a manutenção de um estado de coisas onde o negro, o pobre, o oprimido, não sejam apenas afastados de seus direitos e do acesso aos meios para sua sobrevivência, mas também sofram as conseqüências pelo ato de franca "insubordinação" retornando a serem criminosos por serem só isso: Vítimas da opressão.

Novos Palmares


Resistência e a velha História do Brasil




É clássica a interpretação da historiografia tradicional do povo Brasileiro como um povo pacífico e a citação do Quilombo dos Palmares como único momento de resistência à escravidão, além dos movimentos abolicionistas. Pelo menos no que se ensina no ensino médio, o normal são poucas referências a algo além da Inconfidência Mineira como exemplos de revolta no Brasil.


Alguns livros didáticos até citam a Conjuração Baiana, poucos citam a Revolta dos Malês. A maioria fica na inconfidência mineira, como resistência à opressão e no Quilombo dos Palmares, como resistência à escravidão. Inclusive, a redação destes livros de certa forma hierarquiza estas lutas, colocando o ensaio geral de conspiração de elite que foi a Inconfidência como mais importante que o maior Quilombo de que se tem notícia nas Américas e , com certeza, a mais duradoura experiência de resistência ocorrida no País como menos importante.

Qualquer referência às 2.228 comunidades quilombolas espalhadas por todas as regiões do país conforme levantamento do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (Ciga) da Universidade de Brasília (UnB) e aos quilombos que lhes deu origem é uma utopia, dado que resistência no Brasil não existe. Só se for à famigerada coroa Portuguesa e por um clube conspirador da elite de Vila Rica.

A Revolta dos Malês, a maior revolta Negra do Brasil e a primeira de caráter classista no Brasil, composta por negros livres e escravos e apoiada pela base da população baiana do Período (1835), é quase sempre solenemente ignorada, a Cabanagem idem.

Todas estas revoltas possuem algo em comum, foram feitas majoritariamente por negros, índios e quilombolas.

Inúmeros quilombos se espalharam pelo Brasil, a maioria deles de resistência, com a busca de construção de um sistema próprio, autônomo, de organização, que era nitidamente de rompimento com o sistema da Colônia. Revoltas escravas ocorriam a todo o momento no Brasil. Só na Bahia foram mais de 50 revoltas escravas de 1798 até 1835, sendo a mais importante a Revolta dos Malês. O Recôncavo Bahiano era um imenso barril de pólvora e por diversas vezes o Governo da Bahia à época tinha de pedir reforços e auxílio à Corte para controlá-las.

Porém, como o aluno de ensino básico e ensino médio tem acesso a isso? Onde?

Simplesmente não têm. E quando têm, as referências são tímidas, como desimportantes, dado o imenso esforço de manter a idéia de uma população servil, pacífica, principalmente os negros e índios.

Este fato demonstra mais do que uma busca de manutenção de um quadro onde a população se veja como impotente ante a constante opressão de que é vítima. Demonstra também que o esforço vai além, no sentido de demonstrar que a população é pacífica, mas em especial os mais oprimidos, os negros e índios, e que estes mais ainda, nunca se rebelaram contra a situação a que foram submetidos.

Para que referir-se ao pânico da elite baiana em 1835 com relação à possibilidade de um novo Haiti no Brasil e ao movimento que aumentou em muito este pânico e exigiu um controle no envio de escravos com origem na Nigéria e Benin ao Brasil? Nunca. Para que dar idéias a um povo acostumado à chibata?

É preciso que a população tenha consciência da Revolta da Chibata, da Revolta dos Malês, dos inúmeros Quilombos que resistiram à opressão e buscaram liberdade e autonomia e para isso é preciso lutar pela construção de um ensino que respeite a História deste povo, principalmente o exemplo dos que resistiram mesmo sendo os mais oprimidos de todos. É preciso que lutemos para que todos os Palmares sejam conhecidos, para, quem sabe, criarmos Novos Palmares.