terça-feira, maio 13, 2003

Fonte: Pitacos, Achados e Perdidos

Já dizia o Chico: chame o ladrão!





Tenho acompanhado bem pouco os noticiários, porque minha pequena São Lourenço tem me dado aborrecimentos suficientes, portanto, guardo minha escassa paciência para esta cidade onde decidi morar há 10 anos. Mas não pude deixar de fixar minha atenção, numa rápida passagem em frente à tv, nas palavras de um cidadão que todos nós conhecemos, o ex-Governador Garotinho, que assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro.



Com a graça dos deuses, eu escapei da minha terra natal na entre-safra entre Leonel Brizola e Garotinho... São aquelas coisas que quem é carioca gostaria de esquecer... Mas ainda dá pra lembrar que em Minas tem Newton Cardoso e em São Paulo tem Paulo Maluf. Vejam vocês! Tem gente em situação bem pior que a nossa, sejamos solidários!



Mas, voltando à matéria de tv, fiquei totalmente catatônica ao ouvir uma suposta explicação do Garotinho ¿ suposta porque ele tentou explicar muito tempo sem se fazer entender ¿ definindo os culpados pelo estado de violência generalizada no Rio de Janeiro. Depois de muito enrolar, o Secretário de Segurança Pública quase me convenceu de que, ao contrário do que eu imaginava, a culpa da violência nem é da omissão do governo, nem da falta de estrutura da polícia, muito menos do traficante ou dos viciados que consomem drogas e alimentam o governo paralelo do crime. A culpa é dos pais dos doidões.



Olha, tudo bem, eu sou jornalista, não sou louca de colocar palavras e conclusões na boca dos outros e não vou, mesmo em um blog como este, que está longe de ser um veículo de imprensa, afirmar que o Garotinho falou isto ou quis dizer isto. Mas que ele tentou, tentou. Não sou uma pessoa com dificuldade de entender as coisas, aliás, pego tudo no ar e rapidamente. E me vi parada, apatetada em frente à tv, repetindo ¿agora eu descobri: a culpa é do pai do doidão...este irresponsável!¿



Estou levando o papo na brincadeira, mas a coisa é séria de verdade. Se um Secretário de Segurança Pública não consegue se articular direito, a ponto de transmitir este tipo de mensagem, sendo esta ou não a sua intenção, tem algo muito errado acontecendo no Rio de Janeiro. Principalmente, levando-se em conta que articular todas as polícias e criar alternativas para proporcionar maior segurança à população é tarefa anos luz mais complexa.



O que está errado com a estrutura de segurança do Rio é o mesmo que está errado na segurança de São Lourenço. A diferença é basicamente: tamanho da área para se ¿trabalhar¿ e tempo de atuação da multimilionária holding do crime. O começo, se não me falha a memória, é o tal paternalismo, o assistencialismo... Isto misturado com aquela coisa de passar a mão na cabeça do moleque que cometeu um pequeno delito como se aquilo fosse traquinagem normal ou político ir tirar marmanjo da cadeia por favor eleitoreiro (alguém tá reconhecendo uma situação semelhante em São Lourenço?). Depois, começa a impunidade, o descaso, os cidadãos ao invés de ocuparem seus espaços nas ruas, se sentem abandonados pelo Estado e se trancam em casa, e a rua vira território de bandido.



O fim da história a maioria conhece, mas é que eu, como carioca, conheci o comecinho da história e resolvi contar. O bairro onde passei a maior parte da infância e adolescência, o Grajaú, era um tradicional bairro de militar (eu fui vizinha de um Ministro do Exército!!!!), calmo, tranqüilo, onde a coisa mais agitada que acontecia era noiva toda enfeitada pagando mico em chá de panela, andando pelas ruas, com as amigas rindo em volta. Hoje, a pracinha principal tem uma cabine da PM, com duas entradas com estacionamento para viaturas, o chafariz foi concretado e duvido que alguma criança tenha o prazer de brincar de bolinho de areia ali, como eu cansei de fazer. Olhando para este palco de horror que se transformou a praça está Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a na torre da igreja matriz, que parece não ter conseguido perpetuar a sua proteção a um dos bairros mais belos da cidade do Rio de Janeiro.



Mas, a culpa deve ser mesmo do pai do doidão. A responsabilidade foi para a outra ponta da ¿linha de produção¿. O problema, provavelmente, foi do pai, que transmitiu uma carga genética ao filho que fez com que ele se tornasse um desocupado que resolveu usar drogas. Com isto, ele começou a comprar um fuminho bom com um amigo, avião, que por sua vez enriquecia o traficante fornecedor. O policial, mal preparado e mal pago, sem conseguir ir contra, acabava juntando-se a eles, criando a rede de corrupção, que acabava também envolvendo grandes autoridades, políticos renomados e empresários multimilionários. Mas pensar neste povo é bobagem, todos eles são inofensivos. O grande vilão, o bandidão, o culpado é o pai do doidão. Tsk...tsk...tsk...



Com este tipo de linha de raciocínio e numa cidade como o Rio de Janeiro, que está chegando num ponto que talvez só mesmo ¿puxando a descarga¿, ao ouvir o Garotinho nesta entrevista, não pude deixar de me lembrar que numa época em que quem arrombava portas era o DOPS e o DOI-CODI, e para fazer coisa bem pior do que roubar, melhor mesmo era seguir a recomendação do Chico em sua música: ¿Chame o ladrão! Chame o ladrão!¿ Pelo amor de Deus, gente, chama o pai do doidão!!!! Ele dá pra gente encarar...Já o resto...

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