sábado, julho 19, 2003

UATU arrasa os f?s

Fonte: Omelete
Por Uatu, o vigia


5/3/2002
Há cerca de um ano e meio, recebi um presente de um amigo: o livro O hobbit, de JRR Tolkien. Foi um pouco antes da febre em torno de O senhor dos anéis começar em virtude do blockbuster de Peter Jackson.

Comecei a leitura empolgado, e, apesar do começo um tanto quanto confuso (muitos nomes, muitos personagens, "mas desencana, que depois você entende tudo", disse um outro amigo), confesso que me diverti um bocado. No entanto, entre o final do livro e o começo de A sociedade do anel, uma espécie de efeito mágico me atingiu, e passei a ver o mundo de outra forma.

Sim, caro leitor. Tudo mudou na hora em que percebi como um simples livro, escrito por um excelente contador de fábulas, tornou-se a filosofia de vida de milhões de pessoas aparentemente vazias e confusas. Pessoas que, após a leitura, decidiram aprender a falar élfico; a colecionar anéis com uma rima pobre "Um anel para todos..."; a se tatuar com a maldita inscrição. Gente que, por incompetência ou falta de personalidade, destoou o talento criativo de Tolkien, transformando sua fábula numa bizarra visão do mundo real.

Uma coisa é você ler um livro, entrar na história, emocionar-se, vibrar com a capacidade humana de transmitir emoções, paisagens, rostos e cheiros através de palavras impressas em papel. Outra, é ver um bando de desocupados de vinte anos vestidos de elfos, hobbits e afins, com suas irritantes espadas e anéis, pulando de lá pra cá como crianças de seis anos imitando o He-Man.

Toda febre é assim. Trekkers, Jedis, Exxers, Otakus, Macmaníacos, Marvetes e DCNautas provam, cada vez mais, a pobreza de espírito de algumas pessoas que esperam preencher vazios existenciais com obras de ficção puramente comerciais com, no máximo, dois dedos de talento e um bocado de clichês.

Vamos aos fatos: tem gente se casando em élfico. Marmanjos de vinte anos brigando por que uns gostam mais de Dragon Ball Z, outros de Cavaleiros do Zodíaco (leia aqui). Teve até editor de revista que se socou por causa disso. Pessoas com mais de cem quilos vestidas de Sailor Moon andando na rua (e o que é pior, pessoas de ambos os sexos). Tem ainda os extremos, como gente que “odeia” o Figa (Editor da Abril) - aqui -, o Jotapê (Via Lettera) - aqui - e o Yabu (criador dos Combo Rangers) - aqui -, ou o pobre jornalista, a essa altura, morto e sepultado, que cometeu o sacrilégio de criticar A sociedade do anel (leia aqui). Sim, eles são odiados pura e simplesmente pelo gosto literário ou editorial. Injustificável e infantil.

E me pergunto: “Por quê?”

O que leva as pessoas a trocar suas vidas reais por essa fantasia que, se perdurasse apenas até o começo da adolescência, seria saudável e divertida?

Movimentos como "Vamos salvar o programa X", "Vamos salvar o desenho Y", "Vamos matar o editor que cortou a página do meu gibi!" espalham-se pela Internet. Num país onde 23 milhões de pessoas passam fome, considero injustificável tantos usando sua energia e tempo livre por razões tão pífias quanto... gibis ou filmes de ficção.

Atitudes como essas servem para mostrar como uma fantasia saudável, aliada a pessoas com auto-estima negativa e problemas de relacionamento social, gera indivíduos vazios e simplistas.

E, por definição, perigosamente manipuláveis.

A se pensar.

UATU, que provavelmente será o próximo a ser odiado.

Leitura indicada: OTAKU OS FILHOS DO VIRTUAL por Étienne Barral

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