sexta-feira, julho 18, 2003

O OBJETIVO DOS ANARQUISTAS-La Questione Sociale, 1899



Errico Malatesta


O que devemos fazer?

Tal é o problema que se nos apresenta, a nós e a todos aqueles que querem
realizar e defender suas idéias, a todo o momento em sua vida militante.

Queremos abolir a propriedade individual e a autoridade, isto é, expropriar
os proprietários da terra e do capital, derrubar o governo, e colocar à
disposição de todos a riqueza social, a fim de que todos possam viver a seu
modo, sem outros limites senão aqueles impostos pelas necessidades, livre e
voluntariamente reconhecidas e aceitas. Em resumo, realizar o programa
socialista-anarquista. E estamos convencidos (a experiência cotidiana nos
confirma) que se os proprietários e o governo dominam graças à força física,
devemos, necessariamente, para vencê-los, recorrer à força física, à
revolução violenta. Somos, portanto, inimigos de todas as classes
privilegiadas e de todos os governos, e adversários de todos aqueles que
tendem, mesmo de boa fé, a enfraquecer as energias revolucionárias do povo e
a substituir um governo por outro.

Mas o que devemos fazer para estar em condições de fazer nossa revolução, a
revolução contra todo privilégio e toda autoridade, e triunfar?

A melhor tática seria fazer, sempre e em todos os lugares, propaganda de
nossas idéias e desenvolver no proletariado, por todos os meios possíveis, o
espírito de associação e de resistência, e suscitar cada vez maiores
reivindicações; combater continuamente todos os partidos burgueses e todos
os partidos autoritários, permanecendo indiferentes a suas querelas;
organizar-nos com aqueles que estão convencidos ou se convencem de nossas
idéias, adquirir os meios materiais necessários ao combate e, quando formos
uma força suficiente para vencer, lançarmo-nos sós, por nossa conta, para
efetuar por completo nosso programa, mais exatamente, conquistar para cada
um a liberdade total de experimentar, praticar e modificar pouco a pouco o
modo de vida social que se acreditava ser o melhor.

Todavia, infelizmente, esta tática não pode ser aplicada de modo rigoroso e
é incapaz de alcançar seu objetivo. A propaganda possui uma eficácia
limitada, e em um setor absolutamente condicionado de forma moral e material
para aceitar e compreender certo tipo de idéias. As palavras e os escritos
são pouco poderosos enquanto uma transformação do meio não conduzir o povo à
possibilidade de apreciar estas novas idéias. A eficácia das organizações
operárias é igualmente limitada pelas mesmas razões que se opõem à extensão
indefinida de nossa propaganda, e não somente por causa da situação
econômica e moral que enfraquece ou neutraliza por completo os efeitos da
tomada de consciência de certos trabalhadores.

Uma organização vasta e forte, na propaganda e na luta, encontra mil
dificuldades: nós mesmos, a falta de meios, e principalmente a repressão
governamental. Mesmo supondo que seja possível chegar, pela propaganda e
pela organização, a fazer nossa revolução socialista-anarquista, há todos os
dias situações políticas onde devemos intervir sob pena de perder vantagens
para nossa propaganda e toda a influência sobre o povo, arriscar destruir o
trabalho realizado e tornar mais difícil o futuro.

O problema é, portanto, encontrar o meio de determinar, na medida do
possível, as mudanças de situação necessárias ao progresso de nossa
propaganda e aproveitarmos as rivalidades entre os diferentes partidos
políticos, cada vez que a oportunidade se apresentar, sem renunciar a nenhum
postulado de nosso programa, para facilitar e aproximar o triunfo.

Na Itália, por exemplo, a situação é tal que é impossível, a maior ou menor
prazo (1899), que haja uma insurreição contra a monarquia. É certo que, por
outro lado, o resultado disso não será o socialismo-anarquismo. Devemos
tomar parte da preparação e da realização desta insurreição? Alguns
camaradas pensam que não temos nenhum interesse em fazer parte de movimento
que não tocará na propriedade privada e só servirá para mudar de governo,
quer dizer, uma república, que não será menos burguesa que a monarquia.

Deixemos, dizem eles, os burgueses e os aspirantes ao poder “furarem-se
mutuamente a pele” e continuemos nossa propaganda contra a propriedade e a
autoridade.

Entretanto, a conseqüência de nossa recusa seria, em primeiro lugar, que,
sem nós, a insurreição teria menos chances de triunfar. Assim, a monarquia
ganharia, o que no momento em que a luta pela vida torna-se feroz,
obstruiria o caminho à propaganda e a todo progresso. Além do mais, o
caminho à propaganda e a todo progresso. Além do mais, estando ausentes do
movimento, não teríamos nenhuma influência sobre os acontecimentos
ulteriores, não poderíamos aproveitar as oportunidades que sempre se
apresentariam num período de transição entre um regime e outro, cairíamos no
descrédito como partido de ação e não poderíamos, durante muitos anos, fazer
algo de importante.

Não se trata de deixar os burgueses lutarem entre si, porque numa
insurreição a força é sempre dada pelo povo, e se não dividirmos com os
combatentes os perigos e os sucessos tentando transformar o movimento
político em revolução social, o povo servirá apenas de instrumento nas mãos
ambiciosas dos aspirantes do poder.

Em compensação participando da insurreição (que não somos bastante fortes
para nos lançarmos sozinhos) e agindo o máximo possível, ganharemos a
simpatia do povo insurreto e poderemos fazer avançar as coisas o máximo
possível.

Sabemos muito bem, e não cessamos de dizê-lo e de demonstrá-lo, que
república e monarquia são idênticas e que todos os governos têm tendência a
aumentar seu poder e a oprimir cada vez mais os governados. Mas também
sabemos que quanto mais fraco é um governo, mais forte é a resistência do
povo, maiores são a liberdade e a possibilidade de progresso. Contribuindo
de modo eficaz para a queda da monarquia, poderíamos nos opor com maior ou
menor eficácia à consolidação de uma república, poderíamos permanecer
armados, recusar obedecer ao governo, e tentar expropriações e organizações
anarquistas da sociedade. Poderíamos impedir que a revolução estancasse
desde o início, e que as energias do povo, despertadas pela insurreição,
adormecessem novamente. Tudo isso são coisas que não poderíamos fazer, por
razões evidentes de psicologia, para poderíamos fazer, por razões evidentes
de psicologia, para com o povo, intervindo depois da revolução e da vitória
contra a monarquia, sem a nossa participação.

Levados por esses motivos, outros camaradas gostariam que parássemos
provisoriamente a propaganda anarquista, para nos ocuparmos com o combate
contra a monarquia e, após o triunfo da insurreição, recomeçarmos nosso
trabalho específico de anarquistas. Eles não vêem que se nos confundíssemos
com os republicanos faríamos o trabalho da futura república, desorganizando
nossos grupos, semeando a confusão, sem poder impedir em seguida o reforço
da república.

Entre estes dois erros, o caminho a seguir parece-nos o mais claro. Devemos
nos posicionar com os republicanos, os social-democratas e todo partido
antimonarquista para derrubar a monarquia. Mas devemos ser, enquanto
anarquistas, pela anarquia, sem romper nossas forças nem confundi-las com a
dos outros, sem fazer compromissos para além da cooperação na ação militar.

Somente assim, segundo nossa opinião, podemos obter, quando dos próximos
acontecimentos, todas as vantagens de uma aliança com os outros partidos
antimonarquistas, sem renunciarmos em nada ao nosso programa.

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