quarta-feira, janeiro 15, 2003

Sui Generis, mas perfeito:

Fogo e paixão



Pedro Ivo Resende

(carioca, 25 anos)



- Por que você está colocando esse toca-fitas em cima da mesa?

As mulheres nunca prestaram muita atenção em mim, nunca me olharam nos olhos. Era como se eu não existisse. Às vezes me sentia como Patrick Swayze em "Ghost" e precisava beliscar o meu próprio braço para saber se estava vivo. Quando finalmente conseguia marcar um encontro, não tinha o que conversar. Meu papo era horrível. Tão ruim que eu levava comigo umas revistas para as garotas lerem se ficassem muito entediadas.

- Por que você trouxe essa garrafa de álcool?

Mas foi ai que eu tive essa idéia. Eu convidava a garota para ir a um bom restaurante francês - elas nunca recusavam. Vestia um belo terno azul-marinho, pedia o melhor vinho da casa, apertava o play no toca-fitas, me embebia em álcool...

- Por que você tá acendendo esse fósforo?

E me transformava numa tocha humana. A fita tocando aquela música da Gal Costa: "Meu coração amanheceu pegando fogo, fogo, fogo...". E eu lá, me consumindo em chamas, me jogando em cima das mesas, urrando de dor naquela singular demonstração de amor. "...foi uma morena que passou perto de mim e que me deixou assim". O cheiro de carne humana queimada empesteando o restaurante. Eu me debatendo no chão, espalhando as chamas pelas cortinas, panos de mesa... Os pais protegendo os seus filhos, os garçons fugindo para a cozinha. E a mulher, bem, ela sempre ficava de boca aberta, com uma expressão de espanto congelada na sua cara. Provavelmente estava pensando "nossa, ele fez isso tudo só para mim?". Sim, doçura, quando amo, me entrego.

Quando a música chegava naquele trecho "...mande chamar o bombeiro, para esse fogo apagar, e se ele não vem ligeiro, nem cinzas vai encontrar", aparecia o Wong, o chinês que eu contratava para entrar com um extintor de incêndio e apagar as chamas. Ele derramava aquele jato em cima de mim, como em um quadro sem graça dos Trapalhões. Logo depois subia em uma cadeira – era meio baixinho – e anunciava:

- Senholas e senholes, o Homem Tlocha! O maior colação do mundo!

Wong sacava do bolso um chaveiro laser, desses que chinês adora vender para os outros, e ficava desenhando corações no teto do restaurante. As mulheres adoravam aquilo, se apaixonavam. Mas não por mim, pelo Wong. Eu ali, com o meu terno azul-marinho carbonizado, o cabelo chamuscado, as queimaduras de terceiro grau ardendo de dor e o chinês fazendo o maior sucesso, anotando o telefone da minha mulher. Mas tudo bem. A garota sempre tinha uma prima gorducha, que acabava saindo comigo e passando pasta d´água nas minhas queimaduras. Tá valendo.



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