segunda-feira, janeiro 12, 2004

Confirmado: Lula virou a casaca

Fonte:No Mínimo



Arthur Dapieve

12.01.2004 | Estou entrando com um pedido de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva junto à CBF. Não ao Supremo, nem ao Parlamento, mas à CBF, entidade que regula o futebol no Brasil. Lula é torcedor declarado do Corinthians e do Vasco da Gama. Na terça-feira passada, porém, ao receber o presidente do Flamengo, Márcio Braga, o presidente do Brasil posou para fotos com o boné e a camisa do rubro-negro carioca.

Muita gente se escandalizou quando ele botou na cabeça um boné do MST. Eu me escandalizo é com o boné do Flamengo. Não por ser do Flamengo, mas por não ser dos seus clubes de coração. Sem querer, talvez apenas querendo fazer média com o clube mais querido do país, que tem 15% das simpatias nacionais segundo recentíssima pesquisa Ibope/Rede Globo, Lula forneceu a seus críticos a mais perfeita imagem do vira-casaca.

Desdizer compromissos de campanha, taxar os inativos do INSS, mandar os velhinhos para as filas, fazer aliança com o PMDB, expulsar radicais, propiciar mais um ano bom ao setor financeiro em detrimento do produtivo, aumentar o número de desempregados, ignorar a “prioritária” área social, cometer metáfora acaciana após metáfora acaciana, passar um terço do primeiro ano de mandato fora do país, elogiar o Kadafi, deixar a casa na mão do primeiríssimo-ministro José Dirceu, olha, tudo isso sou capaz de entender: é política.

Posar com boné e camisa de outro time que não o(s) seu(s) não: tem a ver com ideais. Para começar, já acho estranho um sujeito torcer para dois times, ainda que em estados diversos. Time do coração é como mãe, a gente só tem um. No máximo, a gente pode ter simpatias circunstanciais – ou torpemente pragmáticas ou lindamente desinteressadas, sem meio-termo – por outra agremiação. Sou Botafogo. Ano passado, logo entendi que o melhor para voltar à Série A seria torcer a favor do Palmeiras também., no sentido de irmos limpando o caminho do retorno um para o outro. Subimos ambos. Valeu, Verdão. Morreu aí.

Logo, o cara, qualquer cara, dizer “sou corinthiano e vascaíno” para mim equivale a dizer “sou socialista e fascista” ou “sou sagitário e peixes”. Não faz muito sentido. Mas, vá lá, vá lá, Lula é corinthiano e vascaíno. O que justifica, então, posar com a camisa do Flamengo Se um sujeito é capaz de trair ou ao menos de magoar seu coração – em nome dos 15% ou do charme pessoal do Márcio Braga, bem distinto, por exemplo, do Roque Citadini ou do Eurico Miranda, cartolas assustadores, sei lá – ele é capaz de tudo.

Nisso também, até nisso, minha gente, Lula se iguala a seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. Em 25 de junho de 1995, após a decisão Fluminense 3 Flamengo 2, desempatada aos 41 minutos do segundo tempo para o tricolor pelo famoso gol de barriga de Renato Gaúcho, o então presidente declarou no Palácio da Alvorada, onde assistira ao jogo pela TV: “Cumprimento o Fluminense, que num jogo fabuloso, me deixou o coração saltando e conseguiu a vitória depois do empate heróico do meu time, o Flamengo.” Magnânimo, não

O problema era que todas as biografias do carioca Fernando Henrique reputavam-lhe vascaíno. A tal ponto que o senador tricolor Artur da Távola pensara em chamá-lo para assistir à final do Campeonato Carioca e fora desaconselhado por assessores do Planalto com o argumento “mas ele é Vasco...”. O presidente nunca desmentiu que era Vasco nem nunca desmentiu que deixara de ser Vasco, muito pelo contrário, tucanamente.

A favor de Lula, deve-se reconhecer que ele não se declarou rubro-negro. Apenas – se é que “apenas” cabe em assunto de tamanha gravidade – deixou-se fotografar com o boné e a camisa do Flamengo, o que é ligeiramente diferente. No entanto, o leitor palmeirense, digamos, o José Serra, deixar-se-ia flagrar com aparatos corinthianos sem ter reação alérgicas e estomacais Ou vice-versa Quero crer que não. Populismo tem limite.

O brasileiro perdoa todo mundo, o ladrão, o assassino, o fiscal, o corrupto, o corno. Perdoa até o chato, diferentemente do que cantou Cazuza. Só não há perdão mesmo é para o estuprador e o vira-casaca. Conheci um cara que trocou de time – o Fluminense pelo Vasco – no jardim de infância. Anos depois, até quem não o conhecia na ocasião provocava-o como “vira-casaca”. Vejam o caso do Chico Anysio, ex-América, há tempos Vasco. O casamento com a Zélia Cardoso de Mello foi esquecido. A troca de camisa, não.

A lição que talvez se possa extrair de ambos os episódios é que, no Brasil, quem quer que assuma a presidência não se torna neoliberal: se torna Flamengo.

P.S.: Nada disso, entretanto, chega a me dar saudade da ortodoxia do alvinegro Geisel e do tricolor Figueiredo.



dapieve@nominimo.ibest.com.br


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