quinta-feira, junho 12, 2003


Fonte: O Globo

Elio Gaspari




Compañero Bush, Cuba no



Passou por Santiago o secretário de Estado americano Colin Powell. Pelo cheiro da brilhantina, a diplomacia americana voltou a andar com o caso cubano na pasta. Como daqui a pouco Lula estará em Washington, alguém precisa avisar ao governo americano que não há motivo para o Brasil comprar duas vezes o mesmo conto-do-vigário. Há mais de 40 anos Cuba foi transformada num divisor de águas na política nacional. Foi necessário que o tempo passasse para se perceber a inteira inutilidade dessa divisão.

Cuba tem um regime totalitário, Fidel Castro é o mais longevo dos ditadores latino-americanos e, como ensina o general Powell, é inevitável que a democracia volte à ilha. E daí? Concordar ou discordar dessas afirmações não gera um só emprego no Méier. O que está em jogo não é a relação da América Latina com ditaduras, mas a submissão dessa mesma América Latina aos interesses momentâneos de uma administração americana.

A transformação de Cuba numa divisória na vida latino-americana é um conto-do-vigário, por duas razões. A primeira: quando lhes conveio, os presidentes americanos ensaboaram ditadores. De 1962 a 1974, as administrações dos presidentes John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon mantiveram uma profícua relação de compadrio com as ditaduras latino-americanas. Quando instalou-se em Pindorama um regime ditatorial (muito, mas muito mais brando que o de Fidel), os Estados Unidos sopraram as velinhas do bolo. Se o presidente Bush acredita nas palavras dos seus antecessores, vale lembrar-lhe que, em 1971, Nixon disse o seguinte : “Para onde o Brasil for, irá o resto do continente latino-americano.” Era uma época em que o Brasil ia na mesma direção de Washington. Um funcionário do consulado em São Paulo lia interrogatórios de presos torturados no DOI. Em 1965 o governo brasileiro mandou uma força expedicionária para a República Dominicana.

O governo americano envolveu-se em atentados terroristas na República Dominicana (o assassinato do ditador Rafael Trujillo), no Chile (o assassinato do comandante do Exército, René Schneider) e em Cuba (as tentativas de assassinato de Fidel Castro). Deve-se reconhecer que desde a posse de Jimmy Carter, em 1976, a diplomacia americana resgatou os princípios de sua sociedade. O general Powell sabe que Carter não é uma figura popular em Washington.

O segundo conto-do-vigário está aí, nos jornais. São as patranhas, predações e prepotências que acompanharam a invasão do Iraque. A administração Bush colocou a bandeira americana no mastro da desconfiança.

Quando um governo recorre à mentira como instrumento sistemático de política externa, é justo que se lembre aos seus funcionários que isso tem um custo.

Acreditar no governo Bush tornou-se um risco. Nada impede que o subsecretário de Defesa Paul Wolfwitz, pai da idéia de se transformar o Iraque em bode, decida transformar o fantasma cubano numa alavanca da Alca, nos termos de Bush. Numa administração de marqueteiros e generais, parecerá esperteza.

Caso o governo americano queira discutir a questão cubana com Lula, aqui vai uma sugestão. O presidente brasileiro poderia responder:

“Companheiro Bush: a gente precisa se entender. Ninguém tem o direito de embaralhar a agenda presidencial e eu não pretendo fazer isto neste país. Por isso, já que você quer discutir coisas de marqueteiro, eu trouxe meu querido Duda Mendonça. Ele tem delegação minha para tratar do caso cubano contigo. Quem sabe ele te dá umas idéias.”



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