É golpe
SÃO PAULO - O que está em andamento na Bolívia é uma tentativa de golpe contra o presidente Evo Morales. Segue uma linha ideológica e táticas parecidas às que levaram ao golpe no Chile, em 1973, contra o governo de Salvador Allende, tão constitucional e legítimo quanto o de Evo Morales.
Os bloqueios agora adotados nos Departamentos são a cópia de locautes de caminhoneiros que ajudaram a sitiar o governo Allende.
Outra semelhança: Allende elegeu-se presidente, em 1970, com pouco mais de um terço dos votos (36%). Mas, três anos depois, sua Unidade Popular saltou para 44%, em pleito legislativo, o que destruiu qualquer expectativa da direita de vencê-lo política ou eleitoralmente.
Foi na marra mesmo, o que deu origem a um dos mais brutais regimes políticos de uma América Latina habituada à brutalidade.
Evo Morales também se elegeu com menos votos do que obteve agora no chamado referendo revogatório, o que demonstra um grau de aprovação popular até surpreendente para as dificuldades que o governo enfrentou desde o primeiro dia, em parte por seus erros e em parte pelo cerco dos adversários.
A luta dos Departamentos pela autonomia, eixo da crise, é também legítima e precede Evo Morales.
Mas passou a ser apenas um biombo para encobrir as verdadeiras intenções, cristalinamente reveladas a Flávia Marreiro, desta Folha, por Jorge Chávez, líder "cívico" de Tarija, um dos Departamentos rebelados contra o governo central: "Se precisar, vai ter sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo deste índio infeliz".
Cena mais explícita de hidrofobia e racismo, impossível. Nem o governo nem a oposição no Brasil têm direito ao silêncio, escondendo-se um na não-ingerência em assuntos internos e outra em preconceitos similares.
São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2008
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opinia
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