sexta-feira, dezembro 27, 2002

Muito Bom, tanto o projeto quanto o texto.



Jogo de imagens




27.Dez.2002 | O Natal já passou, mas antes que chegue o fim do ano ainda há tempo para histórias boas de ouvir. Esta se passou no Espírito Santo durante 2002. Doze crianças, alunas de escolas públicas, uma garotada que nunca havia mexido em computador, com pouco mais dum dia de treino virou cineasta. Roteiristas, câmeras, editores de vídeo. Fizeram filmes lindos sobre seu dia-a-dia, numa mostra de que basta levar-lhes a máquina que, do resto, eles mesmos cuidam.

O caso mais notável foi provavelmente o de Demétrios Borghardt, 10 anos, aluno duma pequena escola no Alto Tijuco, 65 quilômetros serra acima longe de Vitória. O menino ganhou a chance de fazer seu filmente num concurso de redações cujo tema era seu cotidiano. Encantou o júri. E, com a câmera digital na mão, seguiu a estrada de chão filmando aquilo sobre o que tinha escrito: a nascente dum rio – “porque muita gente não sabe como água nasce” –, o feijão próximo da colheita – “porque muita gente não sabe como colhe feijão”.

Quando o anunciaram vencedor, deu um pulo de metro e meio. Felicidade pura. Marivaldo Azevedo, diretor-geral da Apple Brasil, não esconde o sorriso quando conta a história. E os vídeos que ele mostra são todos fascinantes. A linguagem está lá toda pronta, música no fundo, imagens entrecortadas de caminhos, paisagens, vídeos produzidos por crianças pobres e que, no entanto, revelam um olhar cheio de sutilezas e esperança.

“Depois duma experiência dessas, elas nunca mais verão o mundo igual”, conta o executivo. Não deixa de ser irônico. Enquanto a pauta da informatização das escolas públicas brasileiras está concentrada no debate entre Windows e Linux, foi na simplicidade de uso dum Macintosh que aquelas crianças criaram.

Nos EUA, a Apple tem uma longa tradição escolar desde os tempos, no início dos anos 80, em que fabricava ainda Apple IIs. No Brasil é muito diferente. Aqui, a multinacional se resume a um escritório comercial. Importa da matriz as máquinas, tem uma cota de vendas anual fixada em dólar, e a cada desvalorização do real é obrigada a ver seus computadores – que lá fora são bastante em conta – virarem aqui produtos que mais parecem de alto luxo.

E Marinaldo, que assumiu a empresa no início do ano, tem bem pouco de Steve Jobs. Enquanto Jobs, um dos dois fundadores da empresa, é um sujeito carismático, um personagem magnético daqueles para os quais os olhares estão sempre voltados não importa onde esteja, Azevedo é low-profile. E, também ao contrário de Jobs, é bem humoradíssimo. Seu projeto, uma parceria com a JVC que cede as câmeras de vídeo, é humilíssimo e o custo quase nenhum.

Organizado o concurso de redações pela Secretaria de Educação do Espírito Santo – concorreram 15.000 alunos – e selecionados os 12 vencedores, a equipe da Apple foi dar nas escolas com um iMac e uma tutora. A moça ligou o computador para o pequeno vencedor atento, girou rápido o mouse ensinando os meandros da máquina e do software de edição iMovie, e bastou mais ou menos isso. Rapidinho, as imagens capturadas pela câmera estavam na tela e terminaram num filme – 12 filmes, aliás – de um minuto cada.

Parece, num primeiro olhar, besteira, um passatempo no máximo. Não é. Primeiro indica como criança aprende rápido a usar computador. Muito rápido. Um adulto às vezes tem que dedicar meses ao projeto. Segundo, e mais importante, é como criança, devidamente orientada, percebe o potencial da máquina para se expressar, falar sobre seu mundo. Criar.

E é por isso que nunca mais serão as mesmas. Quando recebem a missão de olhar seus cotidianos e escolher deles alguns retalhos para congelá-los em imagens e resumir uma visão de mundo, sofisticam-se. É o potencial criativo do computador, essa facilidade para que, se expressando, observem o mundo nos detalhes, fiquem críticos. Um exercício notável.

A Apple ainda não colocou em seu site os filmetes, mas pretende ampliar o projeto agora em 2003. É, na verdade, um projeto pequenino, um entre vários, daquele tipo que, quando ganha a atenção da imprensa, é da imprensa local. Mas, se serve de algo, é para reiterar a necessidade de computador nas escolas. Em todas elas. Muda muita coisa na formação da trupe.

Fica na cota dos desejos de ano novo. Feliz 2003.


pdoria@nominimo.ibest.com.br

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