sábado, fevereiro 14, 2004

A impertinência do futuro ou o tempo como opressor

Publicado originalmente no site Terramistica

Gilson Junior

O tempo é a mágica da inevitabilidade. É a mudança sem medo, sem piedade, sem ilusão. A ansiedade é a tentativa humana de superar o tempo através de esforços, quase sempre inúteis.

Falo isso de cadeira, vítima que sou da rebelde tentativa de superar Cronos e de buscar seu domínio pela máscara da ilusão. O tempo pra mim traz derrotas, sempre me vence. Destrói relacionamentos, caminhos, medos. O tempo pra mim traz vitórias, constrói um homem, me ensina a amar sem medo, me coloca o desafio de viver dia após dia.

A impertinência do futuro é a opressão do tempo em nosso eu, nosso ego simplório que nega a totalidade que somos. O futuro é impertinente, pois é irrealizável, é apenas uma projeção e projeções falham. Parece apenas uma frase bonita, mas não é. A opressão do tempo é a opressão da não ação em nós, de nossa estagnação, de nosso jeito eterno de acreditar que como está, está bom. Pena, mas a natureza ignora vontades de estagnação. Ela usa nossos fantasmas para nos lembrar, dia-a-dia, que ela é mudança. E nós como partes dela, somos vítimas da mudança eterna. Cronos é seu juiz, júri e carrasco.

O termo vítima é mal usado se pensarmos na mudança como ela deve ser pensada, e aí Cronos torna-se nosso aliado. Mesmo o nome Cronos é um facilitador no texto, porque essa entidade chamada tempo é maior do que sua ampulheta.

Somos mudança a cada dia em rumo à transformação pelo pó. A morte física é a transformação de matéria bruta em energia pura e o retorno de nosso eu ao eu maior, ao todo, a Olorum ou um novo nome ao qual eu não me familiarizei ainda.

Amar, por exemplo, é mudar todo o tempo, pois amar é ser o primeiro impulso do Fluxo.

O fluxo da vida é constante, não linear e vivo. Isso não é uma redundância, a vida é um ser, e fazemos parte dele. A tal vida eterna dos cristãos é exatamente uma explicação mal usada para o fato de tudo ser vida, em todas às suas facetas, não importa a dimensão do que falamos. O tempo nada mais é do que a vida rumo a si mesma, num fluxo constante e inexplicável de mudanças, sem sentido, sem moderações. A vida muda por que é seu o mudar. E somos essa mudança constante porque a mudança nos traz conhecimento, sabedoria, equilíbrio. Quando alcançamos esse equilíbrio vemos o todo e assim superamos a humanidade.Voltamos a ser naturais como os lobos.

A ansiedade morre quando mudamos, quando sentimos o fluxo dentro de nós e o amor vivo pulsando em nosso peito. Um amor que hoje adota um nome, amanhã uma causa e depois de amanhã um cão. Mas que é mesmo o amor ao todo, e a nós mesmos, pois sem isso nada vale.

Assim o tempo é nosso, por ser filho da criatividade, do amor à vida e da verdade. Isso tudo é mudança e a mudança mata a opressão.

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