quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Roupa suja lavada em público

Jornalistas & Cia-Comunique-se




Eduardo Ribeiro


Está interessante e, até certo ponto, divertido acompanhar a troca de chumbo entre a Folha de S.Paulo e a Editora Três, nos últimos dias. Não que seja uma novidade um veículo brigar com o outro, como acontece neste caso, mas quando isso acontece sempre desperta nos leitores a sensação de que quem sempre denuncia um dia acaba denunciado. Mais ou menos como o ditado "Quem com ferro fere, com ferro será ferido" ou "quem com notícia ofende, com notícia será ofendido". Entre jornalistas, então, ver patrão brigando é um regalo, uma espécie de vingança contra a opressão do empregador e a tirania do poder.

Independentemente de sentimentos mais ou menos nobres, é isso mesmo o que acontece e todos nós de um modo ou de outro lavamos as mãos, sabedores de que, afinal, temos telhados de vidro, como também os têm os donos de veículos, que dão empregos, pagam (às vezes) impostos e ganham dinheiro também escrevendo ou falando mal da vida dos outros.

Curiosamente, a reportagem que deu origem a esta pendenga foi publicada no domingo retrasado pela Folha de S. Paulo, denunciando que o Governo havia parcelado dívidas do Refis de uma forma absolutamente esdrúxula, permitindo que centenas de empresas, entre elas a Editora Três, fossem beneficiadas de forma indevida. Ou seja, a Folha publicou a matéria, sem poupar ninguém, nem a co-irmã Editora Três, que conseguiu alongar uma dívida de R$ 222,4 milhões em parcelas que, a depender do faturamento da empresa, poderão ser pagas em até 344 anos. Teve, no entanto, o cuidado de ouvir o proprietário da Editora Três, Domingo Alzugaray, que levantou dúvidas sobre os números fornecidos pela Procuradoria da Fazenda, refutou a alegação de fraude e disse que a situação é realmente muito difícil e que se a economia não voltar a crescer a dívida será impagável.

Foi aí que surgiu no cenário a revista IstoÉ Dinheiro, com uma pesada matéria sobre a situação financeira do UOL, na edição que está nas bancas, com data de 18/2. Só pelo título já dá para se ter idéia do que vem pela frente: "O crepúsculo do UOL", seguido do olho "Portal acumula prejuízos, perde clientes e corrida da banda larga".

A matéria da IstoÉ Dinheiro bate forte. Abre com o seguinte texto: "Há um vírus consumindo as entranhas daquela que já foi a maior promessa da internet brasileira, o portal Universo On Line, o UOL. No código genético desse vírus manifesta-se uma equação letal: um desequilíbrio insustentável entre receitas e despesas, cujo sintoma mais visível é um prejuízo renitente que não cede nem mesmo aos remédios mais amargos."

Em outros trechos a reportagem registra, com base nos números a que teve acesso, que "o UOL está perdendo a corrida para o futuro" e que cotado antes na casa dos US$ 2 bilhões "hoje é avaliado por analistas e potenciais compradores em menos de US$ 100 milhões".

Mais: "Mergulhado numa crise permanente e com a sobrevivência ameaçada, os acionistas passaram a agir como um clube de futebol ameaçado pelo rebaixamento. A cada duas derrotas troca o técnico. Nos últimos 18 meses, a direção geral da companhia tornou-se um cargo de alta rotatividade. No período, quatro executivos diferentes ocuparam a cadeira. A comissão técnica também foi vítima de uma debandada. Oito vice-presidentes e diretores deixaram a empresa, entre eles o jornalista Caio Túlio Costa, um colaborador da família Frias, controladora do UOL, ao longo de 21 anos".

A matéria ainda fala das tentativas de parceria, da saída da Abril do Negócio, dos fracassos no exterior e por aí afora.

Não precisa ser muito esperto para saber que a reportagem caiu como uma bomba no staff do Grupo Folha e que a tréplica era uma questão de tempo. No próprio domingo, o UOL mostrou ter assimilado o golpe e contra-atacou: informou que tomou a decisão de processar a revista IstoÉ Dinheiro por difamação e calúnia, deduziu que o artigo poderia ter sido uma retaliação da Editora Três à matéria feita pelo jornal denunciando fraudes no Refis, divulgou números que mostram ser excepcionalmente boa sua saúde financeira e põe pimenta no cozido. Num dos trechos do texto veiculado na Internet dizia o seguinte: "Na quinta-feira, 29 de janeiro, um grupo de empresários, entre eles Domingo Alzugaray, dono da Editora Três, que publica "IstoÉ Dinheiro", foi recebido em almoço na Folha. Durante o almoço, realizado a pedido do grupo, Alzugaray solicitou reservadamente a dirigentes da Folha que retirassem o nome da sua empresa da reportagem sobre Refis (programa de refinanciamento fiscal) que estava sendo preparada pelo jornalista Josias de Souza, diretor da Sucursal da Folha em Brasília, para a publicação no domingo seguinte. A Folha não atendeu o pedido. O não atendimento do pedido de Alzugaray pode ser a razão que motivou a reportagem extemporânea e difamatória contra o UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha."

A mesma matéria foi publicada na edição de terça-feira do jornal Folha de S. Paulo, porém com pequenas alterações, entre elas a exclusão deste trecho que deduz que o não atendimento do pedido de Alzugaray poderia estar por trás da referida reportagem".

Tanto o texto na Internet quanto na versão impressa destacam que o "UOL alcançou o equilíbrio financeiro em abril de 2003. Não possui dívida com bancos ou fornecedores. Ao contrário, dispõe de aplicações financeiras da ordem de R$ 60 milhões".

Colegas da Editora Três dizem que a revista tentou obter dados atuais do UOL, sem sucesso, pois a empresa alegou que, por ter agora o capital fechado, não teria obrigação nenhuma de fornecer tais informações. Eles também negam que a matéria tenha sido uma retaliação ao jornal e dizem que ela foi definida na tradicional reunião de pauta. E garantem que tampouco se prestariam a realizar um serviço sujo, pois sabem que a própria carreira estaria em jogo.

Minha mãe costumava dizer que roupa suja se lava em casa, mas jornal é jornal e revista é revista: sempre que podem gostam de lavar uma roupa suja, até porque isso, certamente, ajuda a alavancar um pouco mais as vendas. E em tempos bicudos como esse, não deixa de ser uma jogada de marketing - ainda que perigosa e involuntária.

Vamos ver os próximos passos e o desfecho do caso. Se for igual na política, a tendência é tudo acabar em pizza.

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