quinta-feira, fevereiro 19, 2004

O voto americano no Irã

Fonte : BBC-Brasil

Caio Blinder
de Nova York




O presidente Mohammad Khatami prometeu muito e realizou pouco


As eleições parlamentares desta sexta-feira no Irã representam um sério e talvez fatal revés para os sete anos de experimento reformista, comandado pelo presidente Mohammad Khatami. Ele prometeu muito e realizou pouco.

O resultado é uma eleição em que milhares de candidatos foram desqualificados pelo tenebroso Conselho dos Guardiões por não acatarem o sistema que dá o poder em última instância ao representante de Deus, o aiatolá Ali Khamenei.

Diante de mais essa imposição teocrática, 1/3 dos deputados renunciaram, e partidos reformistas vão boicotar a votação. A linha-dura da revolução xiita – que ocupa o poder há 25 anos – marcha para implantar uma ditadura ou a farsa de uma república de banana islâmica.

Com cinismo e amargura, muitos iranianos agora qualificam o atual líder supremo do país de xá Khamenei, em alusão à monarquia ditatorial do xá Rehza Pahlevi, derrubada pelos xiitas em 1979.

"Eixo do mal"

O presidente Khatami é uma desilusão, e é enganoso confundi-lo como o bravo herói de uma perestroika islâmica. A apatia e o cinismo dos jovens e das mulheres indicam como sempre foram limitados os propósitos de Khatami. De qualquer forma, sua presença no cenário político deu cobertura a um maior envolvimento ocidental com o Irã.

Nem o "Grande Satã" americano ficou de fora da dança diplomática. O realinhamento geopolítico pós-11 de setembro contribuiu para os novos lances, concentrados em interesses comuns para estabilizar a situação no Iraque e Afeganistão.

Mas, ironicamente, é agora, quando o regime islâmico vive uma de suas maiores crises de legitimidade, que o governo Bush está mais seriamente empenhado em se reengajar com o país, que integra o chamado "eixo do mal" ao lado apenas da Coréia do Norte, na medida em que o Iraque já é do bem.

Ali Safavi, que dirige a empresa de análise Near East Policy Research, em Washington, afirma que existe uma retórica no governo Bush de estímulo a reformas democráticas no Irã, mas a prioridade é ensaiar negociações com quem de fato manda no Irã.

O ensaio já incluiu ajuda humanitária após o terremoto na cidade de Bam, permissão para que o embaixador iraniano nas Nações Unidas – que está confinado a um círculo de 25 milhas em torno de Nova York – se encontrasse em Washington com uma delegação bipartidária do Congresso e planos para uma viagem de influentes senadores a Teerã.

A boa disposição americana foi facilitada pela decisão iraniana em dezembro de permitir que especialistas da ONU verifiquem se o país está produzindo armas nucleares.

Esses ensaios de aproximação acontecem após 25 anos de hostilidades mútuas e algumas tentativas fracassadas de contato. Raramente, como agora, as duas partes pareciam estar tão interessadas ao mesmo tempo. William Miller, do Centro Wilson, em Washington, diz que o potencial de aproximação é grande porque as necessidades também são grandes. Resta saber se uma farsa eleitoral em Teerã irá atrapalhar esse flerte cauteloso.

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