domingo, abril 13, 2003



Fonte: Águas da Cidadania

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DA COMARCA DE SÃO LOURENÇO.




Proc. nº 637 01 012555-6


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através da Primeira Promotoria de Justiça e Curadoria de Defesa do Meio Ambiente desta Comarca, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA que move em face de EMPRESA DE ÁGUAS SÃO LOURENÇO LTDA., tendo em vista o despacho de fls. 644 verso, vem expor e requerer a V.Exa. o que se segue:


Após ter sido regularmente citada, a ré apresentou a contestação de fls. 186/214, argüindo em preliminar, a ilegitimidade ativa e inadequação da via processual, ao argumento de que ao ser estabelecido pelo Código de Mineração e pelo Código de Águas Minerais a competência exclusiva do DNPM e do Ministério das Minas e Energia para fiscalizar a pesquisa e lavra de águas minerais, torna-se inadequada a ação civil pública que visa discutir a relação jurídico-mineral e quaisquer aspectos de sua regularidade administrativa.


No mérito, alegou, em síntese: 1) que detém autorização prévia e propriedade sobre a Fonte Primavera, decorrente do Manifesto de Mina 140/35; 2) após uma série de estudos realizados pelo DNPM, foram estabelecidos os limites racionais de exploração do Poço Primavera; 3) os dados técnicos de exploração do Poço Primavera foram submetidos ao crivo da FEAM, através de RCA/PCA, culminando com a Licença de Operação nº 210; 4) a água do Poço Primavera objeto de exploração, em sua composição original, foi considerada imprópria para consumo em face da elevada concentração de ferro; 5) a comercialização da água apenas seria possível se adequadamente tratada, com sua purificação e adição de sais, o que é permitido pela legislação brasileira, nos termos da Resolução ANVISA/MS 309, de 19/07/99; 6) havendo necessidade de desmineralização da água, a competência para a autorização da comercialização é do Ministério da Saúde; 7) a competência do DNPM se limita a autorizar a exploração e autorizar o engarrafamento e comercialização de água mineral potável; 8) no caso em questão, houve autorização para exploração, e só não houve autorização do DNPM para comercialização, porque a água da marca Pure Life é "água comum adicionada de sais" e não água mineral; 9) cuidando-se de água tratada e adicionada de sais, a competência para autorização é do Ministério da Saúde; 10) não há superextração de águas, uma vez que a ré explora apenas 22% do total do volume a que está autorizada pelo DNPM; 11) como não se trata de instalação de empreendimento novo, desnecessário o Estudo de Impacto Ambiental, tendo a ré apresentado o RCA e PCA para obtenção da licença de operação concedida; 12) a acumulação pretendida é ilegal, por ofensiva ao art. 3º da Lei nº 7.347/85, eis que somente quando impossível for a eliminação do dano ou do risco de dano pela simples obrigação de fazer/não fazer, haverá a condenação em uma quantia em dinheiro que reverterá para o fundo, sendo tal condenação subsidiária ou alternativa; 13) que, na hipótese absurda de restar comprovado o dano e o nexo causal, o caso não é de encerramento total das atividades, mas de eventual adequação aos limites da exploração racional.



Terminou por pedir o acolhimento da preliminar, para ser o feito extinto sem julgamento do mérito, e, caso ultrapassada a preliminar, seja julgada improcedente a pretensão.

A preliminar argüida não tem a menor consistência.


Alega o autor a ilegitimidade ativa do Ministério Público e a inadequação da via eleita, ao argumento de que ao ser estabelecido pelo Código de Mineração e pelo Código de Águas Minerais a competência exclusiva do DNPM e do Ministério das Minas e Energia para fiscalizar a pesquisa e lavra de águas minerais, torna-se inadequada a ação civil pública que visa discutir a relação jurídico-mineral e quaisquer aspectos de sua regularidade administrativa.


De logo, salta aos olhos que os argumentos da ré não têm qualquer fundamento.

Verifica-se que a ré ignora a Constituição Federal, pois pretende seja excluída da apreciação do Poder Judiciário pretensão que tenha como causa o descumprimento das normas estatuídas no Código de Águas Minerais e no Código de Mineração, ao argumento de que a competência do DNPM é exclusiva na matéria.

Ora, o fato do DNPM ter competência para fiscalizar a lavra e pesquisa de águas minerais, não afasta a atividade jurisdicional do Estado na matéria, pois a "competência" a que se refere a ré como sendo exclusiva do DNPM, é de natureza meramente administrativa.


O argumento, a toda evidência, se esboroa diante da norma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".


Propositadamente, ainda esquece-se a ré de que a presente ação civil pública tem como causa de pedir a ilegalidade da extração e desmineralização da água do poço denominado Primavera, bem como o dano ambiental causado pela superextração da referida água, que vem causando alterações quantitativas e qualitativas nos demais poços e fontes existentes no Parque das Águas de São Lourenço.


A alegação de que a ação civil pública não se presta para obter a adequação de atividades particulares ao Código de Mineração desconhece o art. 127 da Constituição da República, que dispõe ser incumbência do Ministério Público a defesa da ordem jurídica, sistematicamente violada pela ré, sob os olhares complacentes dos órgãos fiscalizadores.


Além disso, no caso em tela, há lesão e ameaça de dano cada vez maior a interesse da coletividade.


Se assim é, e se "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida" (art. 225 da CF), é óbvio que estando a ocorrer lesão ao ambiente e ameaça à direito das gerações presentes e futuras, está o Poder Judiciário obrigado a prestar a jurisdição no caso em tela.


A propósito:



AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRA PÚBLICA - RELATÓRIO DE IMPACTO AO MEIO AMBIENTE - ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES - CONCLUSÃO DA OBRA - PERMANÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR - A aceitação do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente - RIMA, no tocante às medidas posteriores à conclusão da obra, para minoração dos danos ambientais, não implica o reconhecimento de sua regularidade formal. O término da obra atacada por ação civil pública não extingue o interesse de agir, quando a mesma igualmente diz respeito à apuração de irregularidades formais no próprio Relatório de Impacto ao Meio Ambiente. Hipótese em que não se verifica a denominada preclusão lógica. In casu, a análise das responsabilidades pelo dano ambiental há de ser judicial, uma vez que envolve a conduta da própria autarquia responsável pela gestão ambiental, restando nítido o interesse de agir do MPF. (TRF 5ª R. - AC 98.05.42736-6 - CE - 2ª T. - Rel. Juiz Petrucio Ferreira - DJU 09.04.1999).


Querer impedir o Ministério Público de buscar a tutela do meio ambiente via ação civil pública, eqüivale a rasgar a Constituição Federal:


Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.


Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

...

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;


A tese da ré importa, também, em negar-se vigência a Lei nº 7.347/85, que erigiu a ação civil pública como a via própria para pleitear-se a defesa do meio ambiente:


Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio ambiente;



...


No mesmo sentido, a Lei Federal nº 8.625/93:


Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

...

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;

A jurisprudência pátria é uníssona em reconhecer não só a legitimidade do Ministério Público, como também a propriedade da via eleita, em casos que tais.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Dano ambiental - Legitimidade ativa do Ministério Público - Conforme artigo 129 da Constituição Federal. (TJSP - AC 83.318-5 - SP - 1ª CDPúb. - Rel. José Raul Gavião de Almeida - J. 09.11.1999 - v.u.)


AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Necessidade de tutela do meio ambiente - Ilegalidade do aproveitamento de substâncias minerais - Recurso da Municipalidade e remessa necessária, em parte, providos. (TJSP - AC 61.437-5 - Praia Grande - 7ª CDPúb. - Rel. Sérgio Pitombo - J. 20.09.1999 - v.u.).


AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Ministério Público - Legitimidade ativa - Caracterização - Artigo 129, inciso III, da Constituição Federal - Agravante acusado de provocar danos ao meio ambiente - Interesse da coletividade - Discussão de direitos difusos e coletivos - Recurso não provido. (TJSP - AI 109.899-4 - Itu - 7ª CDPriv. - Rel. Des. Sousa Lima - J. 25.08.1999 - v.u.).


AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL VISANDO À PARALISAÇÃO DE ATIVIDADES DE EMPRESA DE MINERAÇÃO QUE EXPLORA PEDREIRA EM PARQUE ESTADUAL EM ZONA DA MATA ATLÂNTICA (SERRA DA TIRIRICA) - Pleito de liminar denegado, alvo de Agravo de Instrumento. A despeito de instruída a ação com peças técnicas que apontam conseqüências nocivas, a matéria submete-se à competência conjunta da União, do Estado e do Município (art. 23, VI, da CF), não convindo seja liminarmente determinada a paralisação por efeito da atuação apenas de instituição de um deles. Quadro recessivo a justificar, na medida em que não se aniquile o bem coletivo, o funcionamento da empresa, salvo fatos supervenientes, com possibilidade de se promoverem adaptações para coarctar conseqüências deletérias. Agravo desprovido. (TJRJ - AI 8.594/98 - 7ª C.Cív. - Rel. p/o Ac. Des. Luiz Roldão - J. 01.06.1999).


O interesse de agir do Ministério Público, no caso, é, além da preservação e recuperação do meio ambiente, o de obter a observância da ordem jurídica (artigo 127 da Constituição Federal), estabelecida pelas normas legais em vigor que estão sendo descumpridas pela ré.


Em suma: em havendo dano ou ameaça de dano ao meio ambiente, provocado por qualquer atividade, ainda que licenciada, autorizada e fiscalizada por órgão público, cabe ação civil pública visando a observância da legislação vigente e a proteção e recuperação do ambiente agredido.


Assim, impõe-se seja repelida a preliminar argüida pela ré.


No mérito, igualmente sem razão a ré.


Em primeiro lugar, alega a ré que detém autorização prévia e propriedade sobre a Fonte Primavera, decorrente do Manifesto de Mina 140/35.

Não é verdade, na medida em que não obteve a ré autorização para explotação da água extraída do Poço Primavera, como informaram o DNPM e o Ministério da Saúde.

Consta às fls. 206 do IC nº 03/2001, que instrui a presente, o Ofício nº 2276, de 21 de junho de 2001, através do qual informou o DNPM:

Alínea c) - A autorização de exploração da água proveniente do "Poço Primavera" foi concedida pelo Ministério da Saúde através de uma legislação específica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que substituiu a Resolução n.º 309 de 16/07/00, D.O.U. 19/07/99.

Esta resposta originou pedido de informações a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que, do Ofício ANVISA/GADIP nº 1125 (fls. 363 do IC nº 03/2001), afirma: "Informo que não houve autorização de explotação do poço primavera por este órgão, visto que não é competência deste órgão tal autorização."

Agora, depois do ajuizamento da presente, providencialmente surge uma certidão, expedida pelo DNPM e visada pelo ínclito Chefe do 3º Distrito, no sentido de que "A AUTORIZAÇÃO PARA EXPLOTAÇÃO DE ÁGUA MINERAL DAS FONTES E DOS POÇOS ORIENTE, PRIMAVERA E MANTIQUEIRA, EXISTENTES DENTRO DA POLIGONAL DA ÁREA DO MANIFESTO, DECORRE DO PRÓPRIO TÍTULO DO MANIFESTO DE MINA REGISTRADO SOB O Nº 140/35, CORRESPONDENTE AO PROCESSO Nº 2.973/35, QUE É O TÍTULO DE CONCESSÃO PARA LAVRAR ÁGUA MINERAL NO PERÍMETRO DA REFERIDA ÁREA MANIFESTADA NO GOVERNO FEDERAL" (fls. 337).


Com base nessa certidão, alega a ré que seu direito a explotar o Poço Primavera encontra amparo no parágrafo único, do art. 7º, do Código de Mineração: "Independe de concessão do Governo Federal o aproveitamento de minas manifestadas e registradas, as quais, no entanto, são sujeitas às condições que este Código estabelece para lavra, tributação e fiscalização das Minas Concedidas".

Ocorre, Excelência, que em hipótese alguma o Manifesto de Mina 140/35 autoriza a Empresa de Águas São Lourenço a explotar a água do Poço Primavera, uma vez que este foi perfurado em setembro de 1996 ou dezembro de 1997, não se sabe ao certo, pois a ré forneceu informações diferentes a respeito, conforme explicitado na inicial.

Em setembro de 1996 ou em dezembro de 1997 já estava em plena vigência o Código de Mineração (Dec.-lei 227/67), que, apesar de reconhecer o direito de quem era detentor de mina manifestada e registrada, não autoriza, no parágrafo único, do art. 7º, a conclusão de que o Manifesto de Mina 140/35 legitima a explotação do Poço Primavera.

Do Manifesto de Mina 140/35, título que autoriza a ré a lavrar água mineral, extrai-se que foram manifestadas as fontes existentes à época, no ano de 1935, e que estavam em exploração: "Gazosa", "Ferruginosa", "Magnesiana", "Alcalina" e "Vichy", tudo conforme cópia do referido título, inserida às fls. 234/236.


Tanto é verdade, que as referidas fontes foram registradas como minas em lavra, de propriedade e exploração da Empresa de Águas São Lourenço, como se observa às fls. 385/386 do IC nº 03/2001:


A Sociedade Anonyma Empresa de Aguas de São Lourenço manifesta como minas em lavra as fontes de agua mineraes gazosas de sua propriedade e exploração, sitas na sede do districto de S. Lourenço, município e Comarca de Pouso Alto, Estado de Minas Gerais (fls. 385 do IC nº 03/2001).


Somente essas fontes em exploração à época é que foram manifestadas e registradas.

O vigente Código de Mineração define o que seja mina e mina manifestada, no art. 4º e art. 6º, I, a seguir transcritos:


Art. 4º - Considera-se jazida toda massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a jazida em lavra, ainda que suspensa.


Art. 6º - Classificam-se as minas, segundo a forma representativa do direito de lavra, em duas categorias:


I - Mina Manifestada, a em lavra, ainda que transitoriamente suspensa a 16 de julho de 1934 e que tenha sido manifestada na conformidade do art. 10 do Decreto nº 24.642, de 10 de julho de 1934 e da Lei nº 94, de 10 de setembro de 1935.


O mesmo diploma, no art. 36, traz a definição do que se entende por lavra, conceito imprescindível para a definição de mina.


Art. 36 - Entende-se por lavra, o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração de substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas.


Ora, se lavra é o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, e se mina manifestada, é a que estava em lavra, ainda que transitoriamente suspensa, a 16 de julho de 1934 e que tenha sido manifestada na conformidade do art. 10 do Decreto nº 24.642, de 10 de julho de 1934, salta aos olhos que o Poço Primavera, aberto em 1996/1997, não pode ser considerado mina manifestada, pelo que sem qualquer fundamento a alegação de que sua exploração está autorizada pelo Manifesto de Mina 140/35, de 28 de setembro de 1935.

Assim, pelas definições contidas no Código de Mineração, das fontes citadas na certidão de fls. 337, a única cuja autorização decorre do Manifesto de Mina 140/35 é a Oriente, também conhecida como fonte gasosa, já que é a única que estava em lavra no ano de 1934 e que foi manifestada e registrada de acordo com a legislação então vigente.

As demais citadas na referida certidão - Primavera e Mantiqueira - não se enquadram na definição de minas manifestadas, pois sequer era conhecida sua existência no longínquo ano de 1935, época do Manifesto.


Corroborando tudo o que acima foi dito, não custa lembrar que a ilegalidade foi reconhecida pelo próprio DNPM, no famoso PARECER PROGE 206/99, invocado pela ré em abono de suas alegações:


Quanto ao tema, deve-se salientar que estas perfurações da fonte Primavera foram executadas dentro do perímetro do Manifesto de Mina 140/35 pela São Lourenço S.A. e não foram precedidas de comunicação e posterior autorização do DNPM, conforme preceitua o art. 13 do Código de Águas, in litteris:

..........................

De observar, ainda, que a mencionada empresa tem, tão somente, como respaldo legal para comercialização de água mineral, a autorização deste DNPM no Manifesto de Mina 140/35 quanto a fonte Oriente (fls. 850/851 do IC nº 03/2001).

Dessa forma, cai por terra a alegação de que a explotação do Poço Primavera está devidamente autorizada pelo DNPM, posto que a certidão que a ré traz em socorro de suas alegações viola flagrantemente a lei e contraria o próprio Manifesto de Mina 140/35.

Aliás, causa espécie que o DNPM tenha expedido a referida e questionada certidão, pois antes, como já dito, ao ser inquirido pelo Ministério Público sobre quem concedeu autorização para a explotação do Poço Primavera, informou que a autorização em tela foi concedida pelo Ministério da Saúde, o que acabou sendo negado por esse último. Isso sem falar na contradição com o aludido PARECER PROGE, acima transcrito parcialmente.

A certidão agora trazida pela ré contraria ainda o art. 20, item IX, da Constituição da República, segundo o qual pertencem à União todos os recursos minerais, inclusive os do subsolo.

Em decorrência disso, a Constituição Federal dispõe em seu art. 176 que "As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra".

Dispõe, ainda, o § 1º, do art. 176 da CF:



§ 1º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa da fronteira ou terras indígenas.


E, demonstrando que o Manifesto de Mina não tem valor absoluto, não podendo se sobrepor a Constituição, o legislador constituinte estabeleceu no art. 43 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a caducidade de todos os títulos atributivos de direitos minerários, em caso de inatividade ou não iniciação dos trabalhos de pesquisa ou de lavra:


Art. 43. Na data da promulgação da lei que disciplinar a pesquisa e a lavra de recursos e jazidas minerais, ou no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição, tornar-se-ão sem efeito as autorizações, concessões e demais títulos atributivos de direitos minerários, caso os trabalhos de pesquisa ou de lavra não hajam sido comprovadamente iniciados nos prazos legais ou estejam inativos.


É evidente que reportando-se o art. 43 do ADCT a todos os títulos atributivos de direitos minerários, incluiu os manifestos de mina.


Ademais, não há direito adquirido oponível a norma resultante do poder constituinte originário.

Fica claro, assim, que a exploração de atividade de lavra de recursos minerais que são propriedade da União, depende de sua autorização ou concessão, e é subordinada ao interesse nacional (art. 176 da CF), assim como é evidente que é do interesse nacional a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, definido como direito de todos e bem de uso comum do povo (art. 225 da CF).

Ainda que não se entenda que o Manifesto de Mina 140/35 não se presta a autorizar a explotação do Poço Primavera, e reconhecendo ser verdadeira a alegação de que a mina manifestada é propriedade imobiliária do minerador, sendo certo, ainda, que a lei não prejudicará o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, o fato é que ignora a ré que a propriedade, no Brasil, está subordinada a sua função social (art. 5º, XXIII, da Constituição da República).


Se o art. 225 da Constituição Federal garante que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, fica claro que tal dispositivo constitucional traduz limitação imposta à propriedade privada para atender seus fins sociais, como previsto no art. 5º XXIII, do texto constitucional.


Sob pena de grave lesão às normas constitucionais e infra-constitucionais não se pode permitir, em homenagem a exclusivos interesses privados, exaurir-se um aqüífero que constitui o sustentáculo de uma cidade há quase cem anos.


Não é preciso lembrar que ninguém, ainda que proprietário, tem direito adquirido de degradar o meio ambiente.


No caso em tela, além da ilegalidade da exploração, é também ilegal a desmineralização da água extraída da Fonte Primavera, que após sofrer eliminação de todos os seus componentes minerais, através de processo industrial, recebe a adição de sais, e é comercializada com o nome NESTLÉ PURE LIFE.


Convém lembrar que a desmineralização da água do Poço Primavera, para a produção de uma água comum, que pode ser produzida a partir de qualquer captação, viola um dos objetivos básicos da Política Nacional do Meio Ambiente, que é o uso racional dos recursos ambientais (art. 4ª da Lei nº 6.938/81).


Como já dito na inicial, a Empresa de Águas São Lourenço, após ter sido indeferido pelo DNPM o pedido de eliminação apenas do elemento ferro, à revelia do DNPM, passou a produzir e a comercializar a água extraída da Fonte Primavera com o nome "Nestlé Pure Life", isso após a eliminação de todos minerais que compõem a água na sua origem.

O DNPM somente tomou conhecimento do que ocorria na área do Manifesto de Mina que devia fiscalizar, quando um de seus técnicos, Sr. Adelino Gregório Alves, Chefe do Serviço de Águas Subterrâneas do DNPM, surpreendeu-se, durante visita a Empresa de Águas São Lourenço, com a constatação do envasamento e comercialização da água "Nestlé Pure Life", e notificou a Empresa.


Todavia, o DNPM, através do tantas vezes invocado PARECER/PROGE Nº 206/99, tal como Pilatos, achou por bem "lavar as mãos", abdicando de sua competência, com o absurdo argumento de que a água da Fonte Primavera não é água mineral, mas sim "água adicionada de sais" (fls. 845/851 do IC nº 03/2001).


O argumento, além de afrontar a legislação, como restou fartamente demonstrado, e não foi contestado pela ré, é absurdo por si só, posto que a água da Fonte Primavera, de maneira alguma, é "água adicionada de sais". Muito pelo contrário, a água da Fonte Primavera, como revelam as análises constantes dos autos do IC nº 03/2001, é a água mais rica em minerais até agora descoberta na área do Manifesto de Mina nº 140/35, e uma das mais mineralizadas do Brasil, segundo a Empresa de Águas São Lourenço. Água adicionada de sais é tão somente o produto final, comercializado com o nome "Nestlé Pure Life", e isso, vale repetir, somente ocorre após a total eliminação dos elementos minerais que compõem a água na sua origem.


A água da Fonte Primavera foi classificada pela conceituada CPRM, em 14 de outubro de 1998, como ÁGUA MINERAL ALCALINO-BICARBONATADA, ALCALINO TERROSAS CÁLCICA E MAGNESIANA, FLUORETADA, LITINADA, CARBOGASOSA E HIPOTERMAL NA FONTE, de acordo com o Código de Águas Minerais (fls. 722/723 do IC nº 03/2001).


As análises químicas (fls. 722/723 do IC nº 03/2001) revelam que a água da Fonte Primavera contém compostos em quantidades superiores aos limites mínimos estabelecidos nos incisos III, IV, "a" e b", XII, do art. 35 do Código de Águas Minerais (DL 7.841/45), daí a classificação feita pela CPRM.


Diante dessa classificação, feita pela CPRM, cai por terra o argumento invocado pelo DNPM para abdicar de sua competência, ou seja, de que a água da Fonte Primavera não se trata de água mineral.


Em sendo água mineral, a exploração da água extraída da Fonte Primavera mostra-se absolutamente ilegal, posto que não autorizada pelo DNPM.


Curioso é que apesar do DNPM ter indeferido o pedido da Empresa de Águas São Lourenço, que visava autorização para eliminação apenas do elemento Ferro, a ré, à revelia do DNPM, passou a eliminar todos os componentes minerais da água extraída da Fonte Primavera.


Ora, se não foi permitido, por falta de amparo legal, eliminar um único elemento, não há como admitir-se a eliminação de todos eles.


Vale enfatizar que o DNPM não permitiu o processo de deferrinização da água da Fonte Primavera, justamente por ser uma água mineral e, portanto, não poder sofrer qualquer alteração na sua composição original.


Todavia, a água altamente mineralizada passou a ser comercializada pela Empresa de Águas São Lourenço, com o nome "Nestlé Pure Life", sem autorização do DNPM e sequer comunicação ao referido órgão.



Tal prática viola o disposto no art. 31, I, do Decreto-lei nº 7.841, de 08 de agosto de 1945 (Código de Águas Minerais):


Art. 31 - Constituirá motivo para interdição, a apreensão do estoque e multa, além de qualquer infração aos dispositivos da presente lei:


I - expor à venda, ao consumo ou à utilização, água cuja exploração não tenha sido legalmente autorizada por decreto de lavra;

Alega a ré, ainda, que a autorização para o aproveitamento das águas adicionadas de sais é de competência do Ministério da Saúde. Às fls. 908/911 do IC nº 03/2001, a empresa chegou a afirmar que o Poço Primavera está sujeito às normas do Ministério da Saúde, o que é um absurdo, pois trata-se de exploração de recurso mineral e de poço inserido no perímetro de proteção de diversas fontes.

Agora, na contestação, a ré alega que havendo necessidade de desmineralização da água, a competência para a autorização da comercialização é do Ministério da Saúde; que a competência do DNPM se limita a autorizar a exploração e autorizar o engarrafamento e comercialização de água mineral potável; que no caso em questão, houve autorização para exploração, e só não houve autorização do DNPM para comercialização, porque a água da marca Pure Life é "água comum adicionada de sais" e não água mineral; que cuidando-se de água tratada e adicionada de sais, a competência para autorização é do Ministério da Saúde.


O registro da água "Nestlé Pure Life" e a autorização para sua comercialização foram realmente concedidos pelo Ministério da Saúde. Todavia, tal exigência se aplica a toda e qualquer água, seja mineral ou não, a todo e qualquer refrigerante, alimento, medicamento etc.


Interessante notar que o DNPM, consultado por esta Promotoria, respondeu que: A autorização de exploração da água proveniente do "Poço Primavera" foi concedida pelo Ministério da Saúde através de uma legislação específica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que substituiu a Resolução n.º 309 de 16/07/00, D.O.U. 19/07/99 (fls. 206 do IC nº 03/2001).


Tal afirmação restou cabalmente desmentida pelo Ofício ANVISA/GADIP nº 1125 (fls. 363 do IC nº 03/2001), no qual a Agência Nacional de Vigilância Sanitária afirma: "Informo que não houve autorização de exploração do poço primavera por este órgão, visto que não é competência deste órgão tal autorização."


Isso é óbvio, na medida em que autorizar a exploração de águas subterrâneas, ainda mais de águas minerais, não se insere nas atribuições do Ministério da Saúde.


Cumpre lembrar que agora, depois do ajuizamento da presente ação civil pública, a afirmação do DNPM, acima citada, restou contrariada pela ré e pelo próprio DNPM, através da certidão de fls. 337.


Em suma: a água do poço denominado Fonte Primavera, que foi perfurado sem autorização, continua sendo extraída também sem autorização, já que a certidão de fls. 337 não se traduz em autorização para a exploração de água mineral.


A autorização para comercialização do produto final denominado "Nestlé Pure Life", concedida pelo Ministério da Saúde, não autoriza a extração da água altamente mineralizada da Fonte Primavera, localizada em uma área de concessão mineral.


Como já dito, caso a "Nestlé Pure Life" fosse produzida a partir de captação da rede pública de abastecimento, ou de qualquer outra captação, como permite a Resolução ANVS nº 309, aí sim prescindiria de autorização do DNPM, desde, claro, que não fosse através de captação de água mineral.


Na realidade, o que está a ocorrer é que a Empresa de Águas São Lourenço está lavrando a água mineral do Poço Primavera, o que exige autorização, que não foi concedida em momento algum por parte do DNPM.


Dispõe o art. 9º, do Decreto-lei nº 7.841, de 08 de agosto de 1945 (Código de Águas Minerais):


Art. 9° - Por lavra de uma fonte de água mineral, termal, gasosa, potável de mesa ou destinada a fins balneários, entendem-se todos os trabalhos e atividades de captação, condução, distribuição e aproveitamento das águas.


Se, de acordo com a definição legal acima transcrita, por lavra de uma fonte de água mineral entendem-se todos os trabalhos e atividades de captação, condução, distribuição e aproveitamento das águas, não há como negar que a captação e extração da água proveniente da Fonte Primavera, sua distribuição e aproveitamento, caracterizam lavra.


Em sendo lavra de água mineral, e não podendo a ré socorrer-se do Manifesto de Mina, pelas razões já expostas, teria que ser observado o disposto no Capítulo III do Código de Minas, além das disposições especiais do Código de Águas Minerais, conforme estabelecido nos arts. 8º e 10 deste último diploma legal.


Como nada disso foi observado, tem-se como patente a ilegalidade da extração e da desmineralização da água verdadeiramente mineral oriunda da Fonte Primavera.


A exploração excessiva, provável causa da redução de vazão de todas as fontes, e do desaparecimento da "Fonte Magnesiana", bem como da diminuição generalizada de mineralização, cientificamente constatadas pela CPRM - Serviço Geológico do Brasil, em estudo que instruiu a inicial, configura caso típico de lavra ambiciosa (art. 48 do Código de Mineração).


Aliás, o que era causa provável agora é certeza, como será demonstrado mais adiante, com base em estudo feito pela CPRM em 1999, e que somente veio a tona com a defesa da ré.


Alega também a ré que como não se trata de instalação de empreendimento novo, desnecessário o Estudo de Impacto Ambiental, tendo a ré apresentado o RCA e PCA para obtenção da licença de operação nº 210/98, concedida pelo COPAM.


Trata-se de mais um engodo, pois a atividade de desmineralização e adição de sais consiste em empreendimento novo. Tanto é verdade, que a ré, em 09 de agosto de 2001 deu entrada na FEAM com novo processo de licenciamento, específico para a produção da "Pure Life", ou seja, para o empreendimento de desmineralização de água e adição de sais, e mesmo assim somente depois de convocada pela FEAM a fazê-lo, tudo conforme se verifica dos documentos em anexo.


Curiosamente, a ré também não informou sobre o novo processo de licenciamento, preferindo omiti-lo, dando, assim, a entender que a atividade de desmineralização da água do Poço Primavera e adição de sais está devidamente licenciada.


Como a análise do processo de licenciamento (fls. 383/524) que a ré invoca em sua defesa revela não haver uma só citação ao Poço Primavera e a desmineralização de sua água, a conclusão óbvia é de que trata-se de atividade não licenciada.


A referida atividade consiste sim em novo empreendimento, que exige o Estudo de Impacto Ambiental.


De outra banda, a Resolução 237, de 19 de dezembro de 1997, do CONAMA, exige o Estudo de Impacto Ambiental para o exercício das atividades de lavra subterrânea, e para o engarrafamento e gaseificação de águas minerais.


A Resolução citada, no art. 3º, exige o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA).

O fato é que a exploração da Fonte Primavera e a desmineralização e o engarrafamento de sua água não foi precedida de Estudo de Impacto Ambiental, sendo esse, portanto, mais um fator de ilegalidade na extração e aproveitamento dessa água mineral.


Vale citar a jurisprudência:


DIREITO AMBIENTAL - Ação civil pública. Obrigatoriedade da exigência do Eia-Rima na renovação de licença para realização de atividade potencialmente poluidora, a partir da vigência da Resolução nº 01/86 do CONAMA. Responsabilidade objetiva do empreendedor por danos ao meio ambiente. Existência dos danos devidamente comprovada. Sentença de procedência parcial do pedido em 1º grau. Improvimento da apelação do réu e provimento parcial da apelação da litisconsorte ativa para a elevação dos honorários do assistente técnico respectivo e dos honorários advocatícios da procuradora da litisconsorte (TJRS - AC 597050012 - RS - 1ª C.Cív. - Rel. Des. Luiz Felipe Silveira Difini - J. 16.12.1998).


Alega também a ré que é hipotético e inverídico o argumento superexploração, posto que desde 1997 fizeram-se dois testes de bombeamento para apurar a vazão máxima da Fonte Primavera, e ficou certificado que não há nenhum tipo de interferência nas outras fontes e/ou poços. Alega, também, que no "Relatório Técnico de Avaliação do Teste de Bombeamento no Poço Primavera no parque das Águas de São Lourenço-MG", elaborado em agosto de 1999 pelo CPRM por solicitação do DNPM, restou mais uma vez demonstrada a inocuidade da exploração da Fonte Primavera. Afirma, ainda, que nesse teste chegou-se a aumentar a vazão acima de 30 m3/h, sem que isso causasse qualquer interferência em qualquer das fontes, e que esse mesmo Relatório a CPRM reconheceu não se poder afirmar de forma conclusiva a existência de qualquer dano decorrente da exploração do Poço Primavera e recomendou um "estudo hidrogeológico de detalhe", que foi elaborado e concluído em janeiro de 2001, sob a denominação "Geologia, Hidrologia e Área de Proteção Ambiental - Parque das Águas".

Mais uma vez a ré omite informações e procura confundir o juízo com afirmações não verdadeiras.

Na inicial foi afirmado que a generalizada perda de mineralização das águas minerais de São Lourenço e a sensível redução das vazões eram provavelmente causadas pela superexploração do aqüífero, tudo com base em estudo realizado pela CPRM, que instruiu a presente ação civil.


Na ocasião, foi invocado o princípio da precaução, princípio basilar em Direito Ambiental, consistente na prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ação suscetíveis de alterar a sua qualidade.


Essa ótica preventiva inspirou o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro/92: "Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente".


Com o Princípio da Precaução, tem-se que a incerteza científica milita em favor do ambiente, impondo-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado.

Ocorre que, agora, com a contestação, a ré trouxe aos autos o "Relatório Técnico de Avaliação do Teste de Bombeamento no Poço Primavera no Parque das Águas de São Lourenço-MG" (fls. 297/327), com o intuito de demonstrar a não interferência do referido poço sobre as demais fontes.


Chama-se a atenção para o fato de que esse estudo não era do conhecimento do Ministério Público, uma vez que não constava do processo DNPM 2.973/35, requisitado por esta Promotoria de Justiça ao DNPM, o que leva a crer que foi sonegado ao conhecimento do Ministério Público.


Esqueceu-se a ré, contudo, de dizer que o referido estudo, também realizado pela conceituada CPRM, em atendimento a solicitação do DNPM, em agosto de 1999, traz em seu bojo a afirmação taxativa de que está ocorrendo superexploração do aqüífero em São Lourenço.


Esqueceu-se ainda de mencionar que os testes de bombeamento não podem ser considerados conclusivos quanto a não interferência nos poços vizinhos, pois a grande pressão de gás carbônico pode mascarar os resultados, fazendo com que vazios antes ocupados pela água extraída no bombeamento sejam em seguida ocupados pelo gás.

Omitiu a informação de que existe uma similaridade química entre as águas em diferentes posições e profundidades do aqüífero, o que sugere a existência de relação entre as águas do aqüífero, pressupondo um mesmo sistema de recarga e conexões localizadas entre as fraturas da rocha.


Esqueceu-se também de dizer que foi constatado um rebaixamento de 9,0 (nove) metros no nível piezométrico local, recente e localizado, associado aos observados nas Fontes Vichy, Alcalina e do poço do Hotel Brasil, junto com a relativa diminuição da mineralização das águas das fontes Vichy, Alcalina, Oriente e Ferruginosa, o que indica estar ocorrendo modificação na hidrodinâmica do aqüífero do Parque das Águas, e que essa constatação levou a CPRM a sugerir cautela quanto ao regime de exploração de todas as captações do parque.


Também não mencionou que foi constatado rebaixamento do nível piezométrico do próprio Poço Primavera.


Omitiu propositadamente as recomendações feitas pela CPRM, no sentido de que diante do fato do resultado do teste realizado não poder ser considerado conclusivo, deve ser realizado um estudo hidrogeológico de detalhe, e que até a finalização do mesmo seja estabelecido um regime de exploração conservador, com menos tempo de operação e menor vazão de extração do Poço Primavera em relação ao que atualmente é desenvolvido.

Com efeito, consta do "Relatório Técnico de Avaliação do Teste de Bombeamento no Poço Primavera no Parque das Águas de São Lourenço-MG":

"Este relatório vem atender solicitação do DNPM para a CPRM acompanhar o teste de bombeamento realizado em 22 de junho de 1999, no poço Primavera, localizado no Parque das Águas em São Lourenço-MG, a fim de avaliar a interferência do poço bombeado nas vazões das fontes em exploração". (fls. 301)


"As conclusões terão como objetivo subsidiar o DNPM na tomada de decisões a respeito do regime e conveniência da exploração do poço Primavera". (fls. 301)

"Quando foram construídas as primeiras captações o nível piezométrico era próximo ou acima da superfície do terreno. Atualmente encontra-se em processo de rebaixamento contínuo, atingindo até 5,5 m (em 1995) no poço do Hotel Brasil, vizinho ao parque, ou até abaixo de 3,0 m (em 1997) na fonte Alcalina antes surgente. A fonte Vichy também era surgente quando foi perfurada e, desde alguns anos, é bombeada devido ao rebaixamento do nível piezométrico. A fonte sulfurosa apresentou um rebaixamento do nível estático de 4,0 metros, em 1987 quando foi perfurada, para 9,97 metros ao final do teste recém executado, quando já estava plenamente recuperada". (fls. 303)

"Durante a etapa de levantamento de campo do Projeto Circuito das Águas, o único poço surgente existente no parque era o poço situado ao lado do poço Primavera, perfurado em 1996, com 150,0 m de profundidade, aqui denominado Primavera 1. Este poço apresentava alto teor de gás carbônico, e até meados de 1997 permanecia jorrando continuamente, sem, nenhuma utilização da água extraída, servindo de teste apenas para a captação definitiva do poço Primavera. Atualmente encontra-se desativado, não jorrante e com o nível rebaixado, provavelmente próximo ao do poço Primavera que é de 8,48 metros (22/06/99)". (fls. 303)

"A comparação dos resultados das análises físico-químicas do projeto Circuito das Águas com as análises realizadas por Alfred Schaeffer, em 1914 (Beato et alli, 1998), indica que houve uma diminuição em peso dos principais componentes das águas das fontes Alcalina, Ferruginosa e Vichy (figura 2.4). As variações foram generalizadas, entre todos os componentes e provavelmente estão relacionadas às alterações hidrodinâmicas do aqüífero, confirmados pela diminuição das vazões e rebaixamento do nível piezométrico nas fontes Vichy, Alcalina, primavera, Sulfurosa e Hotel Brasil". (fls. 306)

"As alterações hidrodinâmicas e hidroquímicas encontradas em São Lourenço são devidas a super exploração do aqüífero". (fls. 312)


"A princípio, como resultado do teste, não há conexão entre o aqüífero da rocha são de onde é captada a água do poço Primavera (a primeira entrada de água está 6,0 m abaixo da superfície de transição) e o da rocha intemperizada, de onde é captada a água da maioria das fontes observadas. O resultado mostrou que os poços ainda não haviam apresentado rebaixamento decorrente do bombeamento do poço Primavera". (fls. 316)


"Estes aqüíferos devem ser considerados como especiais em relação aos aqüíferos fraturados normalmente existentes, devido a grande pressão de gás carbônico como é observado no poço Primavera 1, que encontra-se fechado com registro, e da grande exalação de gás nos demais poços observados". (fls. 316)


"Esta característica local pode mascarar os rebaixamentos dos testes de bombeamento fazendo com que vazios antes ocupados pela água extraída no bombeamento sejam em seguida ocupados pelo gás. Isto poderá fazer com que o rebaixamento criado no aqüífero de rocha são não seja imediatamente observado no aqüífero de rocha intemperizada. Portanto, o resultado do teste não pode ser considerado definitivo quanto a não interferência nos poços vizinhos. Possivelmente um tempo maior de bombeamento poderá refletir nos poços de observação". (fls. 316)

"O estudo hidroquímico realizado pela CPRM em todas as captações do parque, nos mostra que existe uma similaridade química entre as águas em diferentes posições e profundidades do aqüífero. Isto nos sugere que existe uma relação entre as águas do aqüífero, pressupondo um mesmo sistema de recarga dos aqüíferos fraturados na rocha sã e intemperizada e conexões localizadas entre as fraturas da rocha sã e rocha alterada". (fls. 316)


"A partir da observação dos níveis dos poços Primavera e Primavera 1 (perfurado em 1996, inicialmente jorrante e atualmente rebaixado), constata-se que existe uma depressão do nível piezométrico local. Este rebaixamento de cerca de 9,0 metros, recente e localizado, associado aos observados nas fontes Vichy, Alcalina e do poço do Hotel Brasil, junto com a relativa diminuição da mineralização das águas das fontes Vichy, Alcalina, Oriente e Ferruginosa, indica que está ocorrendo uma modificação na hidrodinâmica do aqüífero do Parque das Águas". (fls. 316/317)


"Esta constatação nos leva a sugerir cautela quanto ao regime de exploração de todas as captações do parque, até que um estudo hidrogeológico de detalhe estabeleça as causas destas alterações". (fls. 317)


"Como o resultado do teste realizado não pode ser considerado conclusivo quanto a interferência ou não da operação do poço Primavera nas vazões das fontes existentes no parque, sugere-se a realização de um estudo hidrogeológico de detalhe e que até a finalização do mesmo, seja estabelecido um regime de exploração conservador, isto é, menos tempo de operação do poço Primavera e menor vazão de extração em relação ao que atualmente é desenvolvido". (fls. 317)


"O poço opera 24h/dia durante cinco dias na semana, extraindo de 15 a 20 m3/h. Sugere-se que o poço opere de 12 a 16 h/dia e extraia um volume em torno de 10 m3/h, até que seja estabelecido um regime de exploração adequado com base nos resultados do estudo hidrogeológico que deverá de ser executado". (fls. 317)

"Como parte essencial dos estudos hidrogeológicos a ser desenvolvido, recomenda-se a implantação imediata de um sistema de monitoramento dos poços atualmente em operação e, também, dos poços que por circunstâncias diversa estejam desativados e que ainda não tenham sido cimentados como recomendado pela ABNT". (fls. 317)

"O sistema de monitoramento a ser implantado deverá ser orientado por técnicos especializados em hidrogeologia para que os resultados sejam conclusivos quanto aos objetivos a serem alcançados". (fls. 317)

"O estudo hidrogeológico de detalhe deverá considerar como um dos seus objetivos principais o volume explorável. Para tanto, será necessário uma série de investigações complementares ao estudo executado pela CPRM em 1998 no Circuito das Águas". (fls. 318)

"Também como parte das propostas iniciais do mesmo estudo, recomenda-se o estudo da precipitação pluviométrica e do escoamento superficial e subsuperficial objetivando estabelecer o balanço hídrico com a conseqüente taxa de infiltração pluvial que seria a água renovável ao aqüífero de água mineral. Este volume de água renovável seria o volume adequado de extração, não esgotando o manancial de água mineral". (fls. 318)

"Estas técnicas, além das análises hidroquímicas essenciais, deverão ser consideradas na elaboração de um estudo hidrogeológico de detalhe que pretende estabelecer a dinâmica do aqüífero local e o volume de água mineral existente e explorável". (fls. 318)

Diante do que consta do estudo da CPRM, acima transcrito, cai no vazio a afirmação da ré de que não está havendo superexploração do aqüífero de São Lourenço.

Aliás, cumpre dizer que todos nesta estância sabiam da superexploração do aqüífero promovida pela ré. O que não se sabia era que havia um estudo sério, conclusivo, de autoria da CPRM, constatando tal fato e fazendo várias recomendações para se definir o volume de exploração racional do aqüífero.


Assim, fica devidamente rebatida a alegação da ré de que o Ministério Público não trouxe aos autos sequer início de prova da ocorrência do dano ambiental alegado, qual seja, "a crescente diminuição de vazão das fontes e a perda de mineralização de suas águas", visto que a tanto uma quanto outra restaram definitivamente comprovadas.

Fica, também, qualificada como falsa a alegação de que "após uma série de estudos realizados pelo DNPM, foram estabelecidos os limites racionais de exploração do Poço Primavera" (fls. 211, item 2º), posto que os estudos realizados, como já visto, além de constatarem a superexploração, recomendaram, até a realização de um "estudo hidrogeológico de detalhe", a sensível redução da extração da água do Poço Primavera, o que foi solenemente ignorado pelo DNPM.



Se, à luz do Princípio da Precaução, o estudo da CPRM citado na inicial já era suficiente para fundamentar a cessação das atividades de exploração do Poço Primavera, agora, depois do estudo vindo com a contestação, com muito mais razão a medida se impõe.

A propósito:


AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - PROVA - PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE - NECESSIDADE - Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente considerando que o objetivo primordial do processo é o atingimento da Justiça Social. Nos casos em que está em jogo o direito ambiental não é preciso que se tenha demonstrado através de prova científica e de precisão absoluta. Havendo indícios suficientes de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o mesmo seja irreversível para que não se deixem para depois as medidas efetivas de proteção ao meio ambiente. Deve o julgador dar solução mais justa e favorável ao ambiente, em benefício de todos os jurisdicionados. Provimento do recurso. (TJRJ - AC 19840/1999 - (09052000) - 18ª C.Cív. - Rel. Des. Jorge Luiz Habib - J. 14.03.2000).


O mesmo se diga com relação alegação de que não há sequer indício do nexo causal, já que a existência do dano - diminuição da vazão das fontes do aqüífero e a perda de mineralização de suas águas - está intimamente relacionada à exploração do Poço Primavera, ou seja, estão a ocorrer depois de iniciada a extração desenfreada.

Nesse aspecto, é estranha, não se pode deixar de notar, a conduta do DNPM, uma vez que o referido estudo, apesar de ter sido elaborado por solicitação do próprio DNPM, com o objetivo de subsidiar tal órgão na tomada de decisões a respeito do regime e conveniência da explotação do Poço Primavera, embora de conhecimento do órgão desde meados de 1999, nunca foi levado em conta, sendo, ao contrário, omitido e totalmente desconsiderado quando se permitiu uma vazão mais de duas vezes maior do que a recomendada pela CPRM até a finalização do estudo hidrogeológico de detalhe sugerido.

Também é estranho o fato de que tal estudo não se encontrava inserido em nenhum dos processos requisitados ao DNPM por esta Promotoria de Justiça.

Alegou ainda ré que o "estudo hidrogeológico de detalhe", recomendado pela CPRM, foi elaborado e concluído em janeiro de 2001, sob a denominação "Geologia, Hidrologia e Área de Proteção Ambiental - Parque das Águas".


Mais uma vez a ré demonstra seu pouco ou nenhum apreço pela verdade.

O trabalho concluído em janeiro de 2001, acostado às fls. 526/636, nem de longe, nem mesmo sob a ótica distorcida do DNPM, pode ser considerado um "estudo hidrogeológico de detalhe", como recomendado pela CPRM.


Nada no referido trabalho, feito pela ré, é importante deixar claro, atende as recomendações da CPRM.


Se o estudo hidrogeológico de detalhe recomendado pela CPRM deveria ter como objetivo estabelecer a dinâmica do aqüífero local e o volume de água mineral existente e explorável, tem-se que o trabalho elaborado por encomenda da ré não serve para nada, pois não só deixou de estabelecer a dinâmica do aqüífero, como também não traz nada sobre o volume de água mineral existente e, consequentemente, acerca do volume racional que pode ser explorado sem comprometer os mananciais de água mineral.

A falta de sinceridade da ré no trato da questão mostra-se evidente quando se analisa a afirmação contida no trabalho citado, de que o Poço Primavera não exerce nenhuma influência sobre as demais fontes poços, por estar confinado por "barreiras hidrogeológicas", definidas e identificadas geograficamente em figura inserida às fls. 599.

Ocorre que, as mencionadas "barreiras hidrogeológicas", quando da realização dos testes de bombeamento do novo Poço Oriente, em setembro de 2001, mudaram de lugar, deixando de confinar o Poço Primavera, que passou a se situar fora da área de confinamento das citadas barreiras.


Para se chegar a esta constatação, basta comparar a figura de fls. 599 dos autos, com a figura inserida às fls. 1.003 do IC 03/2001.


Tamanho absurdo não passou despercebido pela diligente Comissão de Estudos e Defesa das Águas Minerais, da Câmara Municipal de São Lourenço, que em seu relatório final deixou consignado:


"Fato que mereceu grande atenção por ser uma das principais dúvidas sobre a garantia de perenidade das fontes de água mineral foi a interferência do bombeamento do Poço Primavera sobre as demais fontes do Parque. A tese defendida pelos técnicos da Empresa de Águas São Lourenço era que uma barreira geológica isolava o Poço Primavera, como apresentaram na pág 71 de seu trabalho: "Geologia, Hidrologia e Área de Proteção Ambiental" de janeiro de 2001 (figura 2). Um incrível fenômeno geológico deve ter ocorrido durante o referido ano em São Lourenço, pois o mesmo poço "pulou" a referida barreira quando tornou-se inconveniente para a realização dos testes de bombeamento do novo Poço Oriente. É o que para nossa perplexidade apresentou o "Relatório dos Resultados do Teste de Bombeamento do Poço Oriente 2, Parque das Águas - São Lourenço, Minas Gerais, Setembro de 2001 - DNPM" (figura 3). Mais do que palavras a comparação entre as duas figuras é suficiente para nos colocar diante de uma dúvida: estamos sendo considerados completamente ignorantes, ou a Nestlé costuma declinar informações com tamanha irresponsabilidade?" (fls. 1.138/1.140 do IC 03/2001).

É evidente a intenção da ré de confundir os órgãos públicos e a comunidade preocupada com a preservação das águas minerais, pois não há outra explicação plausível para o deslocamento das "barreiras hidrogeológicas", que, segundo o trabalho apresentado em janeiro de 2001, confinavam o Poço Primavera, mas em setembro do mesmo ano, quando dos testes de bombeamento do novo Poço Oriente, não mais isolavam o Poço Primavera.


Tal aberração, além de demonstrar a falta de seriedade da ré ao tratar da questão das águas minerais de São Lourenço, leva a cogitar sobre a possibilidade de sequer existirem as referidas barreiras.


Nesse aspecto, importante notar que o próprio trabalho da ré, o decantado "Geologia, Hidrologia e Área de Proteção Ambiental - Parque das Águas", ao mencionar as "barreiras hidrogeológicas", às fls. 599, faz a ressalva de que "esta interpretação é concebida em função de dados geológicos disponíveis em superfície, sua caracterização microscópica e estrutural", recomendando estudos mais detalhados de subsuperfície (geofísica) e estudos com traçadores (fls. 599).


Ora, diante da ressalva acima transcrita, e depois do deslocamento no espaço das citadas "barreiras hidrogeológicas", é mais do que legítimo duvidar da existência das barreiras.


Mas, voltando ao trabalho encomendando pela ré, pretenso estudo hidrogeológico de detalhe, verifica-se que o mesmo não atende a nenhuma das recomendações feitas pela CPRM às fls. 317/318.


Aliás, é tão superficial o trabalho da ré, que ao tratar dos parâmetros hidrodinâmicos do "Aqüífero São Lourenço", considerou apenas os elementos do Poço Primavera para traçar as condições hidrodinâmicas do aqüífero, sob a alegação de indisponibilidade de dados dos demais poços (fls. 607), o que, por si só, torna absurda a pretensão de ser o referido estudo considerado "estudo hidrogeológico de detalhe", visto que nada produziu em termos de conhecimento da hidrodinâmica do aqüífero.


Voltando ao tema da superexploração, importante salientar que após o ajuizamento da presente ação civil pública, este órgão ministerial recebeu do DNPM o resultado das análises feitas pelo LAMIN/CPRM/RJ nas fontes e poços explorados pela ré, documento requisitado nos autos do inquérito civil que instruiu a presente e que ora se requer a juntada aos autos.


As análises revelam que houve perda generalizada de mineralização das águas, chamando a atenção a constatação de que a água do Poço Primavera sofreu perda substancial de sua mineralização, bastanto uma simples comparação dessas recentes análises com as anteriores feitas pelo LAMIN/CPRM em 1998 (fls. 706/707 do IC nº 03/2001) e com as constantes do trabalho encomendado pela ré (fls. 603/605), restando comprovada a diminuição dos elementos cálcio, magnésio, sódio, potássio e outros, inclusive do ferro, elemento que levou a ré a desmineralizar a água.


Pelos últimas análises, restou comprovada, mais uma vez, a perda de qualidade das águas minerais, de São Lourenço, sendo esse, portanto., mais um elemento de convicção a demonstrar a superexploração do aqüífero.


Por fim, alegou a ré a impropriedade do pedido de indenização, sob o argumento de ser impossível a cumulação de pretensão de obrigação de fazer e não fazer e condenação em dinheiro.


Esquece-se a ré de que a ação tem como fundamento, além da tutela ao meio ambiente, consubstanciada na pretensão de fazer cessar a ação lesiva, a ilegalidade da exploração do Poço Primavera e da desmineralização de sua água, advindo desta última a pretensão indenizatória.


Se, como demonstrado, ao arrepio da legislação, vem extraindo, desmineralizando e comercializando a água da Fonte Primavera, desde o mês de maio de 1999, o lucro obtido com a comercialização da água "Nestlé Pure Life", por si só, importa em enriquecimento ilícito.


Há que se considerar ainda que o dano ambiental causado, consistente na deterioração dos aqüíferos, valendo citar como exemplo o desaparecimento da Fonte Magnesiana, é de valor inestimável.


É lógico que ao extrair água mineral, sem autorização do órgão competente, e eliminar seus componentes minerais, contrariando as normas legais vigentes, e produzir e colocar a venda no mercado a água "Nestlé Pure Life", a ré obteve lucro.


Em sendo ilegais as atividades de extração e desmineralização, o lucro obtido com a venda do produto final - água comum adicionada de sais - é ilícito, não se justificando que a empresa se beneficie de atividade claramente ilegal e danosa ao ambiente e ao patrimônio turístico.


Não custa lembrar que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente - Lei Federal nº 6.938/81 - consagra como um de seus objetivos a "imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados" (art. 4º, VII).

E a responsabilidade, no caso é objetiva, como prevê o § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/81:


Art. 14 - .....


§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.


A jurisprudência tem admitido a possibilidade de cumulação:


AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AMBIENTAL - Obrigação de não fazer - Visa a responsabilidade civil e indenização por danos ecológicos - Admissibilidade - Recurso provido. Se a autorização era de fato irregular, nenhum direito dela pode se originar, uma vez que não se adquire direitos perante a Administração Pública fundamentados em atos ilegais, não restando outra solução se não julgar a ação procedente, nos termos do pedido inicial, apurado o valor da indenização em regular processo de liquidação - Recurso provido. (TJSP - AC 248.901-1 - Cubatão - 7ª CDPúb. - Rel. Des. Albano Nogueira - J. 26.08.1996 - v.u.).


Como o Direito é contrário ao enriquecimento ilícito, nada impede, antes tudo recomenda, que a ré não se locuplete com a extração ilegal e indenize o dano causado aos aqüíferos de água mineral, restituindo à coletividade o lucro ilicitamente obtido, cujos valores serão destinados ao Fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Isto posto, o Ministério Público reitera os termos da inicial, protestando mais uma vez pela produção das provas pelas quais protestou na peça de ingresso, esperando que o pedido seja ao final julgado procedente, com a condenação da ré nos exatos termos postulados.

São Lourenço, 25 de março de 2002.


Pedro Paulo Barreiros Aina


Promotor de Justiça

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