terça-feira, abril 08, 2003

Fonte: Oficina Informa .

Nestlé põe em risco as águas de São Lourenço




Sou de São Lourenço, estância hidromineral do Sul de Minas, e nestes últimos anos estamos enfrentando sérios problemas com a exploração, ao que tudo indica, altamente predatória das nossas águas subterrâneas, promovida pela Perrier Vittel do Brasil, subsidiária do grupo Nestlé.

Nossas fontes, dentro de um parque de águas, destinadas ao atendimento do turista e da população, a cada ano sofrem mais com as assustadoras quedas de vazão, onde a grande maioria delas já apresenta, em dez anos, diminuição de até 50% de seus volumes, reduzidas atualmente a tímidos fios d'água. Daqui saem para todo o País as águas Nestlé Pure Life (purificada), Levíssima e Oriente (gasosa).

Porém, essa exploração vem afetando, e provavelmente em grandes proporções, os lençóis das outras águas, que estão encontrando fuga, devido ao constante aprofundamento dos pontos de captação, em busca de maiores níveis dinâmicos para serem sugados. Nossas áreas de recarga destes mananciais estão há muito ameaçadas, devido à pequena dimensão territorial do município - 51km2 -, o 4º menor no Brasil - e o grande desenvolvimento urbano, onde a destruição das matas, a ocupação selvagem do solo e sua conseqüente impermeabilização; e a superexploração das águas, sacrificam, por comprovações técnicas da Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais de BH e da Ambiterra Tecnologia de Meio Ambiente - BH - a recomposição dos aqüíferos, que nos constantes e grandes períodos de estiagem não recebem qualquer realimentação. Estes mesmos relatórios apontam a pouca quantidade de água disponível à exploração dentro da propriedade da São Lourenço S.A, que tem por grande preocupação não necessariamente as águas mineralizadas, mesmo porque elas já estão quase extintas, mas as águas purificadas adicionadas de sais, que são a grande e crescente exigência do mercado. Água com alta concentração de nitrato (indicativo de contaminação) - poço Mantiqueira -, certamente devido à poluição antrópica de várias origens, cuja quantidade máxima permitida pelo DNPM é de 50mg/l, em 1994 já atingia 128mg/l, e atualmente é usada "apenas", dizem, para lavar garrafas e - UM ABSURDO!!! - é também servida em fonte externa ao Parque, de acesso gratuito, a centenas de pessoas.

Os diretores tentam conduzir a opinião pública utilizando-se de alguns veículos de comunicação e fazendo algumas boas concessões a alguns setores organizados da sociedade que poderiam vir a promover um grande levante contra essa situação. Um número cada vez maior de indignados tem organizado manifestações em defesa das águas, passeatas, panfletagem e artigos em jornais, enquanto os esclarecimentos da Nestlé resumem-se a pouquíssimas e evasivas linhas, apostando na desinformação popular frente aos complexos aspectos técnicos que envolvem este assunto.

O grupo União Pela Cidadania, recentemente instituído, criou o movimento Pró-Água e o Grupo de Vigilância Permanente da Água. Um debate marcado em um canal regional de TV (EPTV-Rede Globo) foi desmobilizado simplesmente pela alegação da Empresa de Águas São Lourenço de que "Não nos interessa discutir este assunto". A Câmara Municipal, após a instalação da Comissão para Estudo e Defesa das Águas Minerais de São Lourenço, vem dando importante colaboração, através de articulações políticas junto a algumas secretarias competentes do Estado. Mas infelizmente precisamos ainda de muito, muito mais que isso, pois temos consciência do tamanho, da força e do poder da outra parte. Não temos hoje volume de água que justifique a retirada de mais de 200 mil litros por dia do nosso subsolo. E isso é o que está acontecendo.

Em julho do ano passado, Adelino Gregório Souza, então secretário do Departamento Nacional de Produção Mineral, em Brasília - atualmente chefe da Secretaria de Recursos Hídricos da Organização dos Estados Americanos -, ocasião em que participou de um workshop sobre águas minerais em nossa cidade, foi premiado com a exoneração, após ter pedido a interdição da exploração e engarrafamento das nossas águas, até que se verificasse a real situação dos procedimentos legais da Empresa. Em novembro de 99, em um contato de uma hora por telefone, Adelino manifestou-se sobre o que pôde observar aqui: "As águas de vocês, aí em São Lourenço, não devem durar muito. Talvez cinco ou seis anos mais..."

Em 98, cerca de 8 milhões de dólares foram investidos pela Empresa em equipamentos. Uma estrutura de tecnologia muito mais avançada que a de todas as outras fábricas do grupo. Indubitavelmente superdimensionados para as condições dos nossos aqüíferos. Estão sendo usados aqui, mas não foram adquiridos em função das necessidades daqui. Isto é certo. Nossa situação é tão grave e tão cheia de tantos outros detalhes que por e-mail não dá para continuar a enumerá-los.

Temos enfrentado grandes dificuldades nessa luta, pois estamos lidando com um grupo poderosíssimo e de influência em todas as esferas. Nossa urgência agora é conseguir, através de alguma instituição idônea e isenta de comprometimentos, uma radiografia do nosso subsolo, para que possamos avaliar a magnitude das avarias que certamente as nossas águas sofreram.

Tudo o que conquistamos em cem anos é graças à nossa condição de estância hidromineral. O turismo é a única atividade econômica do município. E a água é a grande síndrome do planeta. Temos que zelar por ela; cada cidadão em sua região. Pensar global e agir local.

Hélio José Marques

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