domingo, abril 13, 2003

Fonte: La Insigna

Para não dizer que não falei da água





Roberto Malvezzi (*)
Adital. Brasil, 15 de março.





"A última fronteira de investimento para o setor privado é a água", disse um estrategista da MONSANTO. Não podemos ficar em paz enquanto a "oligarquia internacional da água" decreta através de seus estrategistas que a "água é um bem escasso, dotado de valor econômico" e que a melhor maneira de gerenciar a escassez é o "mercado". Para que a água seja mercantilizada é preciso que ela tenha um preço e seja privatizada. Essa é a questão que está por detrás da frase do estrategista da MONSANTO, empresa química que se tornou uma empresa de sementes geneticamente modificadas e agora quer dominar toda a cadeia de produção de alimentos, dominando também a água.
Quem decretou que a água é escassa? Qual foi o mágico que repentinamente descobriu o "valor econômico" da água? A escassez natural, até 30 anos atrás, era restrita às regiões áridas e semi-áridas. Foi a depredação dos recursos hídricos, o uso intenso na irrigação e a concentração particular que tornaram a água doce escassa. Depredadas e privatizadas, até as estrelas se tornam escassas.

Portanto, não tem mágica, é negócio. Coca-cola e Nestlé querem controlar o mercado da água mineral. A Nestlé já tem o controle de mananciais de água mineral na região de Caxambu, em Minas. Suez, Vivendi, Tames Water, ONDI, etc., querem controlar o mercado bilionário do abastecimento urbano. Monsanto agora quer controlar a água aplicada na produção de alimentos. Essa é a oligarquia internacional que pretende transformar a água no negócio mais fabuloso que a humanidade já conheceu. Eles não estão sós. Contam com a conivência dos governos nacionais e a intermediação do FMI, OMC e Banco Mundial.

O Brasil coloca em seus memorandos que tem interesse em privatizar suas águas. Nossa lei de recursos hídricos foi feita sobre os fundamentos do neoliberalismo das águas e os primeiros incisos falam claramente que a "água é um bem escasso, dotado de valor econômico e que, em caso de escassez, a prioridade é para o ser humano e os animais". Parece generosa ao priorizar o ser humano e os animais, porém, é um recuo em relação ao código de águas de 34, que afirmava claramente a prioridade humana "em qualquer circunstância".

Nossa lei de recursos hídricos está sendo implantada. Foram criados o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os Conselhos Estaduais estão sendo implantados. Principalmente -aqui vai o alerta a todos- também estão sendo implantados os Comitês de Bacias, que tem composição tripartite: um terço do governo, um terço dos usuários e um terço da sociedade civil. Entendam por usuários as empresas que utilizam as águas das bacias, seja qual for a finalidade. São esses comitês que vão planejar o gerenciamento da bacia, principalmente estipular o valor da água e conceder as outorgas para os usuários. O primeiro Comitê de Bacia a estipular o valor da água foi a do Paraíba do Sul: 0,01 por metro cúbico. Parece lógico que uma empresa que utilize muita água, pague o preço por ela. Entretanto, isso é um sofisma. Toda empresa que tem o poder de fazer o preço -empresas elétricas, empresas de abastecimento e saneamento, indústrias, etc.- apenas vão repassar o preço para o consumidor final. É o povo que vai pagar pela mercantilização da água. Os pequenos agricultores irrigantes, os pescadores, etc., estarão inviabilizados porque não poderão "comprar" o uso da água.

Uma referência especial a todos os atingidos por barragens. No Brasil, quem dá as cartas no uso dos recursos hídricos é o setor hidrelétrico. Quebradas as resistências da sociedade pelo "apagão" -contra fatos não há argumentos-, agora estão programadas mais 497 barragens para esse país. O sofrimento humano e a destruição ambiental que vêm por aí não têm tamanho.

Podemos viver sem telefone, podemos viver sem energia, podemos viver sem gás, mas não podemos viver sem água. Por isso, no mundo inteiro as reações contra as privatizações são violentas. O Brasil ainda não acordou, nem mesmo as esquerdas, nem mesmo os movimentos sociais. Espero que não acordem apenas quando, literalmente, tivermos ido "água abaixo".




(*Roberto Malvezzi - Gogó - Membro da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra).

Nenhum comentário: