sexta-feira, julho 25, 2003

Preservação da imagem X preservação da água


Claudia Mello Gonçalves*

Ainda fico impressionada ao encontrar pessoas em São Lourenço que simplesmente desconhecem o processo que se desenvolve por detrás do famoso “Muro da Nestlé”. São pessoas inteligentes, cultas, com formação e informação em relação a uma série de coisas, mas não em relação a este problema que afeta diretamente a sobrevivência da cidade.

Estas pessoas acreditam que estão trabalhando pela cidade, enquanto nós que defendemos as águas minerais estamos contra o desenvolvimento da cidade. É
impressionante, mas elas realmente acreditam nisto.

Hoje, aconteceu algo que me levou a refletir sobre este assunto mais uma vez. Uma empresária da cidade estava na redação do jornal onde trabalho, conversando, quando abriu a última edição e imediatamente se voltou para mim perguntando: “foi você que fez esta matéria sobre a Nestlé?”, respondi que sim. Torcendo o nariz, ela me repreendeu: “mas justo agora que estávamos querendo propor uma parceria à empresa?”

Esta pessoa é alguém que merece reconhecimento pelo seu trabalho profissional e social. Uma pessoa inteligente, papo bom, com visão ampla sobre negócios e administração moderna, sem os ranços que o interior ainda carrega. No entanto, é incapaz de compreender a razão pela qual estamos fazendo este “barulho todo”. Não compreende porque não parou para ler até hoje um resumo do que vem acontecendo, aliás, demonstrou total desconhecimento em relação à Pure Life e à água utilizada para sua fabricação.

As pessoas preferem não saber, assim, não precisam tomar uma atitude ou não ficam com dor na consciência por deixarem o barco correr e cuidarem dos seus negócios. Mas eu gostaria de lembrar a estas pessoas, em especial comerciantes e hoteleiros de algumas coisas, que talvez ainda não tenham sido analisadas.

O Rio de Janeiro é uma das cidades brasileiras mais visitadas, ainda hoje, com praias nordestinas, serras gaúchas e chapadas (qualquer uma delas) sendo tão divulgadas e aclamadas como alguns dos lugares mais belos do planeta. O fato do Rio ser uma cidade turística, em momento algum, fez com que a imprensa e as ONGs não denunciassem desde a volência e o poder do tráfico de drogas nos morros até os crimes ecológicos de grande escala, como vazamento de óleo na baía de Guanabara.

O turismo no Rio caiu por causa dos arrastões nas praias? Os turistas abriram mão do Carnaval carioca? Pelo que me consta, não, ou pelo menos não de forma a prejudicar o mercado turístico da cidade. Estrangeiros vêm de todos os cantos do mundo, enfrentar a violência urbana inexistente no seu país de origem, para se deliciar com as coisas que só o Rio tem (poderia até fazer campanha publicitária).

Então, porque o Cidadania pelas Águas e a imprensa local não podem divulgar o que a Nestlé vem fazendo aqui, sob o risco de afastar os turistas? A
verdade é que São Lourenço vem perdendo os seus atrativos por incompetência administrativa do Executivo, por falta absoluta de visão de grande parte dos comerciantes, por um egocentrismo mórbido de alguns hoteleiros e por total falta de criatividade de quem tem a possibilidade de reverter a situação. A briga contra a Nestlé é fichinha diante deste quadro.

Ao contrário, creio que muitas pessoas que não visitavam a cidade há anos, resolveram vir até aqui para ver o que estava acontecendo e até apoiar um movimento que se dispõe a defender a maior riqueza da cidade. E isto poderia
ser mais trabalhado, se as pessoas parassem de ter tanto medo e saíssem de cima de seus cofrinhos e conceitos arcaicos. Uma grande campanha nacional, chamando o turista para São Lourenço poderia se basear, justamente, no fato do risco que a cidade corre de a Nestlé esgotar as suas fontes. O famoso “venha beber água mineral antes que ela acabe” poderia ser trabalhado por especialistas em publicidade, transformando a frase em algo atrativo, que fizesse com que a cidade alavancasse o turismo ecológico, apesar de não possuir cachoeiras, praias e trilhas famosas, e, ao mesmo tempo, obtivesse mais aliados à sua ideologia ambientalista.

Não adianta tentar preservar a imagem da cidade, se a água está em risco. Não adianta preservar a imagem da cidade, se quando o turista chega aqui não existe uma estrutura adequada. Estamos querendo vender um engodo ou estamos querendo mostrar ao mundo o que de melhor temos a oferecer? Temos a melhor água do mundo, temos um dos climas mais perfeitos - com temperaturas e níveis de umidade bastante razoáveis, temos céu azul e sol na maior parte do ano. Além disto, temos todas as bênçãos de todos os místicos, indicando São Lourenço como um local especial, com uma energia única. Temos artistas de todas as áreas reconhecidos em seu talento, temos o charme da comida mineira, tão valorizada, na tradição das famílias.

Me pergunto porque ninguém juntou todos estes talentos naturais da cidade e
buscou viabilizar projetos turísticos DE VERDADE, ao invés de querer maquiar uma cidade que já é linda por natureza, só precisa desabrochar. Por que ninguém ouve os gritos desta moça-cidade que vem sendo violentada brutalmente por bombas que retiram de seu ventre o maior poder feminino existente: as águas da criação?

Assim como a Marina da música, São Lourenço já é bonita com o que Deus lhe deu. Não precisa que ninguém lhe preserve a imagem, só precisa que defendam a sua riqueza mineral, para que o resto flua como as águas em suas fontes.

* jornalista por formação, anarquista (graças a Deus!) por opção.


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