sexta-feira, dezembro 27, 2002

Fonte:O Recife Assombrado



O Judeu Errante: A Lenda de um Imortal


Por Ségio Nilsen Barza



O Judeu Errante é a lenda sobre um habitante de Jerusalém que zombou de Jesus, maltratou-o no Seu caminho para a o Calvário e, por isso, foi condenado a vagar pela Terra até o Dia do Juízo Final. O primeiro registro do personagem data do século XIII, nas crônicas de Roger de Wendover e Mathieau de Paris, embora ele só tenha sido identificado como judeu no século XVII.

A história, com variações, é encontrada em toda a Europa , e entre os inúmeros registros literários temos Queen Mab de Shelley. Vale observar que o mito reflete um certo preconceito com os judeus, barbaramente perseguidos pelos cristãos em todo o mundo ocidental durante muitos séculos . Mesmo assim, a lenda merece ser recontada por tratar de um tema fascinante: a imortalidade.

O Judeu Errante tem paralelos com outros dois mitos perpetuados na literatura e outras artes, o Antigo Marinheiro (The Ancient Mariner, Coleridge) e o Holandês Voador ( Flying Dutchman, Wagner). Algumas fontes citam seu nome, e há na verdade três que são recorrentes Malchus, Cartaphilus e Ahasuerus (ou Ahasverus). Existem, na verdade, duas vertentes da lenda, uma com o destino do personagem sendo uma maldição, a outra, uma benção. Existe uma corrente mais antiga que recorre à Bíblia, onde, em Mateus 16:28 fala-se de um discípulo (talvez João) a quem Jesus teria prometido: " Haverá alguém esperando aqui, que não provará da morte, até eles vejam o Filho do Homem e seu reino"

A história da maldição é posterior, mas muito mais difundida. No original, Malchus era um romano que morava em Jerusalém e que golpeia Jesus, como relatado em João 18:20-22. O mito tem relação com o que os pesquisadores chamam de "lei da transposição", em que dois homens devem ser identificados como um. Dentro do mito do Judeu Errante temos ainda elementos da história de Caim na Bíblia e de Sameri, o samaritano, do Corão (a quem Moisés condena a vagar por todo o sempre por ter ajudado a fazer o bezerro de ouro).

São também duas as versões de como o Judeu Errante teria ferido ou atingido Jesus. Numa delas, Cartaphilus, ou Cartophilas, um romano que guardava os portões de Jerusalém, impiedosamente golpeou Jesus, gritando e zombando: "mais rápido, por que você é tão lerdo?". Jesus voltou-se para ele e disse, severamente: "Eu estou indo, mas você deverá esperar até meu retorno". Essa versão foi recontada na primeira menção ao Judeu Errante encontrada na Inglaterra, escrita no Flores Historiarum de Roger of Wendover , um livro de crônicas da Abadia de St. Albans (1228).

Existe uma variante dessa vertente que relata o arrependimento posterior de Cartaphilus, que pede a Paulo de Tarso que o batize. Ele adota o nome de José, o que o faria ser confundido com José de Arimatéia, mais de uma vez. A maldição, porém, não termina. Torna-se um errante, e cada vez que atingia a idade de cem anos passava por uma letargia, da qual saía com a idade de 30 anos, a mesma que tinha na época que foi amaldiçoado.

Há registros que os árabes o tenham visto em 638, e que ele teria passado por Strassburg em 1250, e duzentos anos mais tarde, em Hamburgo. Duas características eram curiosas: ele jamais ria, e dizia ter o bíblico dom das línguas, talvez por causa de seu arrependimento e batismo.

A outra versão, européia, é datada de 1547. Ela conta que o Judeu Errante, de nome Ahasverus, era um sapateiro judeu que viveu em Jerusalém na época da crucificação de Cristo e que via Jesus como herético e enganador do povo judeu. Uma das quedas de Cristo no caminho para o Calvário teria sido na frente da casa de Ahasverus, que logo saiu mandando-o prosseguir seu caminho e sair de frente de sua casa. Jesus olhou-o e disse "Devo ficar e descansar um pouco, mas tu não terás descanso até o final dos dias". Uma variante desta é que o Judeu teria o nome de Isaac Lasquedem. O judeu Errante teria sido visto na corte de Felipe, o Bom, no século XI, um ano antes da morte deste príncipe. Vem daí a crença de alguns que o Judeu traria má sorte àqueles que o reconheciam.

A imortalidade ainda é relatada em registros como o de Marsilius Brunck, que cita que ele teria conversado com Paulus de Litzen, bispo de Hamburgo, em 1547, falando-lhe dos apóstolos de Jesus, que ele teria conhecido pessoalmente. Há registros dele até o século XVIII, quando o mito é absorvido por outro personagem, o Conde de Saint German.

Talvez o maior fascínio do Judeu Errante seja o testemunho da história. É algo que vai muito além da outra significação que atribuem ao mito, a de símbolo do povo judeu, e sua saga pelo mundo. Detalhe: muitos judeus passaram viver em Pernambuco depois da ocupação holandesa em nosso país no XVII. Será que o Errante não veio com eles e permanece entre nós até hoje?





Fonte: Jangada Brasil

O JUDEU ERRANTE




Durante a Quinta-Feira Maior e a Sexta-Feira da Paixão, o Judeu Errante aparece onde a morte de Jesus Cristo está sendo comemorada. É um velho alto e magro, muito barbado, cabelo comprido e com um manto escuro. É uma figura mais literária que popular, e as menções vão desaparecendo nas estórias orais. Não lhe dão, no Brasil, outro nome além de "Judeu Errante". Era sapateiro em Jerusalém, chamado Ahasverus, quando Nosso Senhor, com a cruz aos ombros, passou diante de sua tenda. O sapateiro deixou o trabalho para empurrar o Salvador, gritando: "Vai andando! Vai logo!" Nosso Senhor respondeu: "Eu vou e tu ficarás até a minha volta!" E o homem ficou, até hoje, andando pelo mundo, liberto da lei da morte, sem pressa e sem descanso. Espera o regresso do Senhor, que lhe deu a imortal penitência. A tradição nos veio de Portugal.

A lenda apareceu em Constantinopla, no século IV, e apareceu na Europa em 1228, quando um arcebispo da Grande Armênia, visitando a Inglaterra, disse no convento de Saint'Albans conhecer no seu país uma testemunha da paixão de Cristo, o judeu Cartaphilus, porque esmurrara o Salvador, quando esse era arrastado diante dele, e fora condenado a esperar sua volta. A notícia apareceu em 1259, Cartaphilus convertera-se, sendo batizado por Ananias, que também batizara São Paulo.
A estória do monge Paris foi incluída no Flores Historiarum no seu colega Rogésio de Wendower, em 1237, nove anos depois, espalhando-se nos claustros e escolas, depois, pelos sermonários, até o povo que lhe deu as cores de sua compreensão. Outro documento reforçador foi publicado em 1602, uma carta de Chrysostomus Dudulaeus, datada de 29 de junho de 1547, com o testemunho de Paul d"Eitzen, estudante de Wittemberg e discípulo de Melanchton, dizendo ter visto o Judeu Errante, de nome Ahasverus, depois tão citado nos poemas, romances e peças de teatro. Ahasverus não é porteiro de Pilatos, mas sapateiro, empurrando e sendo condenado por ele. Há outra versão ainda, corrente na Itália, onde o chamavam de João Buttadeo, bete-em-Deus, e que passou a ser João Vota-a-Dios. Votadeus, João Espera em Deus, esse último popular em Portugal e Espanha e de fácil encontro nos autos velhos e nos poetas como Antônio Prestes, Rodrigues Lobo, Jorge Ferreira, etc. A bibliografia sobre o Judeu Errante é imensa e seu aproveitamento literário foi, no século XIX, uma verdadeira moda cultural. Estudaram-no, em Portugal. Carolina Michaëlis de Vasconcelos ("O Judeu Errante em Portugal", Revista Lusitana, I, I), Teófilo Braga (As Lendas Cristão, Porto, 1892, 232) e no Brasil, João Ribeiro (O Folclore, XLII, Rio de Janeiro, 1919). Em Flandres o Judeu Errante é Jacques ou Isaac Laquedem, e na França possui ele apenas cinco sous, constantemente renovados e inesgotáveis. "Há vários ditos populares que parecem relacionar-se a esta lenda. Assim é o de marca de Judas, que lembra Malcho Judas ou Marco, um dos nomes do judeu em algumas versões. Também a frase popular, usada para designar lugares remotos, onde Judas perdeu as botas, parece indicar a lenda do sapateiro Ahasverus. Ainda em certas cidades, em Ulm e em Berna, guardam-se monstruosos sapatos que a tradição refere ao Judeu Errante" (João Ribeiro, O Folclore, 308).



(CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro)


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