sábado, agosto 26, 2006

O Subúrbio de Chico e a Família Capone

É inevitável pro amante da boa música não se apaixonar pela Música "Subúrbio" de Chico Buarque. Poeticamente bem construída, tanto pelo lirismo quanto pelos versos mais, digamos contundentes, e melodicamente brilhante, o Samba-Choro deliciosamente nos embriaga, nos leva à poesia escondida nos Subúrbios, poesia esta muito bem notada pelo morador da Zona Sul Chico Buarque, excelente observador, como excelente poeta.

Porém, toda a lógica de observação do poeta se atém apenas ao aspecto "pitoresco" do subúrbio, leva a vida de seus moradores a um estado "mítico", como se não pessoas, mas personagens, passassem por um ambiente de vivência multicor e de uma coragem simples e feita por opção.
Isto fica claro não só na vivência diária, onde a poesia é embotada por uma vida dura e de constante desafio, mas também quando ouvimos grupos musicais nascidos no subúrbio e que saem do ambiente clássico de Samba e Pagode, do ambiente do Samba exaltação constante da vida simples. Quando percebemos o cenário do Hip Hop do subúrbio, onde busco o exemplo da Família Capone, percebemos um outro nível de poesia, ritmo e cor, que constrói com muito mais realismo e força a realidade do subúrbio e investem na construção, a partir desta realidade, de uma voz atuante e transformadora da mesma.

Com uma força musical e melódica ímpar, quase um rolo compressor de poesia e ritmo, o RAP clássico, a Família Capone fala do mesmo Subúrbio cantado por Chico, colocando as questões vividas diariamente por um povo que nutre por sua vida uma paixão muito mais que forte, uma paixão necessária para se manter a cabeça erguida e a vida mesmo, porque viver no subúrbio não costuma ser mole não.

A Família Capone fala da opressão policial, da questão da violência, da necessidade de impor-se diante de uma opressão multifacetada, do estado ao tráfico, da busca do Orgulho de ser membro da comunidade sem precisar partir pro "caminho errado", fala dos amores sem o simplismo da poesia lírica e ainda mais, mostra como um urro de classe que poesia é coisa de gente grande e nem por isso precisa viver na fantasia.

Chico constrói uma imagem belíssima, mas não consegue sair da visão do turista que vai à favela e vê aquela gente "sem pintura" e "que não tem capa de revista".

Tá, ele coloca bem que "lá tem Jesus, mas está de costas", porém não consegue mostrar, como a Família Capone,que isso pouco importa em um mundo onde a gente tem de lutar diariamente pra olhar nos olhos e colocar nosso queixo pra cima, sem ajoelhar diante da arrogância de uma cidade que nos quer de costas mesmo, longe do mar e longe do incomodar seus dias de praia.

No punch do Hip Hop o queixo do Subúrbio avisa pra Praia que a Cidade é Maravilhosa porque nossos ombros a carregam e que tá na hora do preço ser pago.

Não esconde a mágoa, mas a mágoa não pára a cuíca e nem cala o sonho, porque o sonho não é feito de cabrochas, mas de minas que sabem o que querem e vão lá buscar.

Por isso mesmo que a música encante, ela não avança no encanto, não nos faz apaixonar, porque nosso subúrbio é cantado em Hip Hop também, e alí tem o sangue quente, a voz tocante e a porrada que nos faz ver o mundo e curtir ele, sabendo que ele é duro.

O Chico cria um sonho de subúrbio que a Zona Sul pensa, a Família Capone constrói um sonho onde o Subúrbio muda pela força do ato e a voz, neste caso, não é um canto lírico, mas uma exigência.

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